sábado, 19 de dezembro de 2009

Do Piauí ao Planalto




Da rua Betoven, numa favela da periferia de Teresina, para um gabinete da Presidência, em Brasília - e vice-versa

CAROL PIRES

Fazia calor no casebre de taipa na rua Betoven, na Vila Irmã Dulce, em Teresina, no Piauí. A Vila é a segunda maior favela da América Latina cuja origem é uma invasão, e lá apenas 8% dos moradores dispõem de água encanada. Francisca Edna dos Santos Feitosa levantou da rede onde dormia, pegou uma caneta vermelha e foi para o fundo do terreno, onde jazia um ipê apodrecido. Edna, como é chamada pelos familiares e vizinhos, botou a data de 10 de janeiro de 2003 no alto da página, apesar de ainda ser dia 9. Com uma caligrafia insegura, e o português de quem estudou até a 5ª série, preencheu a frente e o verso da folha que arrancara do caderno da filha mais velha:

Saudações

Senhor presidente Luiz Inacio Lula da Silva eu estou lhe escrevendo esta carta para conta a minha real situação eu estou passando, Olha senhor presidente eu tenho uma familia muito grande trabalha alguns nas terras aleia mais agora eles tem que sair por que meu pai esta doente e não pode mais trabalha, eu tambem tenho dois irmão que já são casado e também não tem condições para sobreviver trabalha nas terras aleia no interior distante da qui em cana brava um interior de Buriti Bravo maranhão o sonho deles é vir mora aqui comigo para cuida da sua saúde ele tem colesterio e presão muito alta tem dias que agenda olha pra ele ver que ele esta bom derepente ele comesa ficar todo incricriado echorando falando que vai morer e não vai mais ver nos que moramos aqui eu minhas irmãs quemora aqui nós somos 5 irmãos e meus 2 filhos e o meu marido ele já é bem velho, nos vivemos como apenas um salário e, é por que ele é aposentado por idade nos moramos noma casa pequena sem muito espaso e também tem do lado da minha casa os terreno do meu pai e do meus 2 irmãos mais senhor presidente eu estou comedo de me tomaram por que eu ainda não pude fazer nada e nem eles também , senhor presidente eu estou passando fome eu tenho um butijão já esta com 6 meses que eu não troco ele por que não posso eu estou cosinhando na lenha catando ponta de pau para bota no fogo o meu filho quase more no inicio por que não tinha costume, senhor presidente eu lhe pesso que você tenha pena da minha situação e da minha familia nos queremos uma moradia digina e não podemos senhor presidente eu estou estudando a noite este anos eu vou fazer a 7ª. Serie e gostaria de trabalha para sustenta os meus filhos e gostaria de um emprego para minha irmãs eu lhe pesso um trabalho que eu possa trabalha com dignidade eu amo a responsabilidade.

Senhor presidente eu lhe ploro não deixe mengem toma o pouco que eu a minha familia temos estes terrenos muito obrigado ass: sua fã numero 1. Fca Edna dos Santos Feitosa te amo meu presidente de coração.


O terreno da casa, na periferia ao sul de Teresina, fora comprado pelo pai de Edna com a venda de três porcos e algumas galinhas. Ela morava ali com os dois filhos, o marido Jaime, quatro irmãs mais novas e Samara, uma vizinha acolhida num sufoco: ela havia sido expulsa de casa pelo marido numa noite de chuva, 28 dias depois do nascimento da sua filha.

O mobiliário da casa consistia em dois sofás velhos, dados por uma antiga patroa de Edna, onde dormiam as crianças. Os adultos dormiam em redes penduradas nas paredes vacilantes. A luz puxada da rua não tinha força para ligar o ventilador, que servia para atenuar o calor e espantar insetos. Raimunda, uma das irmãs de Edna, tinha vergonha de ir à escola, tantas eram as marcas de picada de mosquito nos braços e no rosto.

Edna não botou a carta no correio. Dobrou a folha e a guardou num envelope branco.

A 1 800 quilômetros dali, em Brasília, o presidente recém-empossado se preparava para sair na primeira Caravana da Fome, uma de suas promessas de campanha, que percorreria cidades pobres do Piauí, Pernambuco e Minas Gerais. A caravana iria primeiro a Guaribas, o município mais miserável do Brasil. Mas a logística complicada - levar trinta ministros e assessores de avião e helicóptero para o local - provocou uma mudança de rota. O avião presidencial pousou em Teresina e a comitiva dividiu-se em três micro-ônibus, que tomaram o rumo da Vila Irmã Dulce.

Dos ministros anunciados, faltou apenas o dos Transportes, Anderson Adauto (hoje réu por lavagem de dinheiro e corrupção no processo do mensalão), e Tarso Genro. Como era o acontecimento do ano na cidade, Edna não poderia deixar de ir. Sem avisar, não foi à barraca de feira onde fazia um bico.

Lula caminhou meio quilômetro por ruas de barro vermelho antes de subir no palanque, de onde o governador Wellington Dias evocou as riquezas do Piauí, "abastado em ouro e opalas". O presidente pegou o mote e emendou: "Wellington, você disse que este é um estado rico, que tem muito ouro, diamante, que tem Opalas, Chevettes, Fuscas, tem de tudo."

Edna não pôde prestar atenção aos discursos. Estava empenhada em forçar o seu 1,48 metro através da multidão, das grades de isolamento e policiais que a separavam do homem de calça cáqui e camisa azul-clara arregaçada que discursava. Não conseguiu e se aproximou de um agente uniformizado que, imaginou, "podia ser da guarda presidencial". Puxou-o pela roupa e fez um apelo: "Pelo amor de Deus, esta carta é muito importante, você entrega na mão do Lula porque ele precisa receber isto. É questão de vida ou morte."

A reportagem na íntegra você lê no site da revista piauí, aqui. Reportagem publicada na edição de dezembro.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A pedofilia tem remedio?



A pedofilia tem remedio? Traumatizada por abusos sofridos na infância, a deputada Marina Magessi criou um projeto de lei polêmico. Ela sugere que pedófilos tenham a libido tolhida com hormônios femininos. Aqui, argumentos a favor e contra a ideia

Por Carol Pires, Maria Laura Neves e Marina Mello

A delegada carioca Marina Magessi pede para tomar um uísque quando perguntam sobre suas memórias de infância. O Red Label, que costuma chamar de remédio de tarja vermelha, a ajuda a acessar lembranças traumáticas. Marina embarga a voz e fica com os olhos marejados quando conta que seu tio, que morou durante dois anos na sua casa no subúrbio do Rio, pedia que ela sentasse nua no colo dele, também nu. Marina tinha 5 anos. "Ele nunca me penetrou, mas me fazia mexer em cima do pênis dele e aquilo excitava o meu clitóris", diz. Ela só foi entender que aquela aventura era imoral e ilícita aos 11 anos, quando começou a ter aulas de educação sexual na escola. "Até hoje carrego a culpa de ter gostado e participado daquele ato." Esperou chegar à vida adulta para contar aos familiares o que aconteceu nas tardes da infância. Hoje, aos 50 anos, eleita deputada pelo PPS do Rio, Marina fez de sua experiência uma bandeira. Ela é autora de um projeto de lei polêmico que busca coibir a ação de pedófilos por meio da castração química.

Feita por meio da aplicação de hormônios femininos, a castração inibe a libido masculina (a deputada sugere o uso do acetato de medroxiprogesterona no seu projeto de lei, também usada nos EUA). Quando a droga entra na corrente sanguínea e chega ao sistema nervoso central, atenua os efeitos da testosterona, o hormônio responsável tanto pelo desejo sexual masculino como pela ereção. O efeito obtido é uma espécie de impotência temporária. Geralmente, as doses são aplicadas a cada 30 dias. "Os pedófilos costumam ter uma imaturidade associada à compulsão sexual. A redução da testosterona controlaria essa compulsão. A castração química é válida para esse sujeito que, se seguir um tratamento, poderá viver em sociedade normalmente", afirma o advogado criminalista Marcio Pecego Heide, autor de um artigo em que defende a prática.

O projeto de lei criado pela deputada carioca prevê a castração hormonal como pena alternativa para pedófilos réus primários. "Eles poderiam optar pela prisão convencional ou pelo tratamento", diz Marina. No caso dos reincidentes, a castração química se tornaria obrigatória, assim como a privação da liberdade. O juiz e uma junta médica composta por psiquiatras e endocrinologistas treinados pelo Instituto Médico Legal acompanhariam caso a caso e determinariam a frequência com que as aplicações deveriam ser administradas, além de verificar a eficiência do tratamento. O criminoso se submeteria a exames para se manter em liberdade condicional.

A castração química já é uma penalidade adotada em alguns países. Na França, os criminosos sexuais reincidentes considerados muito perigosos pela Justiça podem optar pelo tratamento ou pela internação hospitalar. Alguns estados americanos adotaram a medida como parte da penalidade. Estudos de lá mostram que apenas 5% dos condenados por crimes sexuais que receberam injeções de hormônios voltaram a cometer crimes semelhantes, enquanto o índice entre os que ficaram apenas encarcerados chegou a 70%. Na Itália, há um projeto de lei para instaurar a castração química em discussão. Na Alemanha, a lei foi cassada por ser considerada uma forma de coação estatal.

As entidades de Direitos Humanos costumam se manifestar contra a castração química por considerá-la uma punição cruel. O uso prolongado e excessivo dos hormônios femininos tem vários efeitos colaterais nos homens. "Os efeitos colaterais não são completamente previsíveis", afirma o psiquiatra Aderbal Vieira Júnior, do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (Proad). "Quem se submete a um tratamento como esse pode não recuperar o nível de desejo ou o funcionamento do aparelho sexual. Além disso, os hormônios femininos podem bagunçar outras partes do corpo, como os ciclos endócrinos e até mesmo o temperamento." Os distúrbios mais comuns são diabetes, aumento da pressão arterial, perda de massa muscular, atrofia da genitália e crescimento das mamas. O mais grave é o câncer hepático.

O projeto de lei prevê a castração hormonal como pena alternativa só para réus primários
Outro argumento contra a adoção da castração química é o de que nem sempre é o pedófilo quem comete um crime de abuso sexual com crianças. A maioria dos crimes desse tipo é cometida por amigos e familiares, que não nutrem um desejo por crianças em geral. Um estudo realizado pela Vara da Infância e de Juventude do Distrito Federal, entre agosto e abril últimos, mostrou que 71% dos agressores eram membros da família. "Sabemos que a violência sexual contra crianças acontece mais por uma questão de conveniência, de hábitos culturais, de relações de poder, que por uma patologia", afirma Viviane dos Santos Amaral, professora da Universidade de Brasília e psicóloga da vara. "Há pedófilos que mesmo sentindo o desejo nunca agrediram ou vão agredir uma criança."


A deputada Marina Magessi apresentou o projeto de lei no final do ano passado. Na ocasião, foi barrado por ser considerado inconstitucional. Ela recorreu. "Projetos desse tipo não são aprovados porque ferem a dignidade do ser humano. A castração química é uma pena cruel segundo a Constituição brasileira", diz o advogado Sérgio Salomão Shecaria, presidente do Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária, um dos órgãos com poder de veto que analisará o projeto de lei. Não é a primeira vez que um texto desses é apresentado - e barrado - no Congresso. Em 2002 e 2007, outros projetos foram apresentados na Câmara e no Senado, mas não seguiram adiante.

Segundo Aderbal, do Proad, existem outros medicamentos que ajudam os pedófilos a controlar o impulso sexual sem tantos efeitos colaterais. São antidepressivos da família da fluoxetina, que têm como efeito colateral a redução da libido. "É difícil transformar um pedófilo em um não pedófilo. Às vezes, é possível fazê-los controlar seus atos", diz o psiquiatra. "Mas só responderão bem ao tratamento se a vontade de se tratar partir deles próprios."

Comentário: texto publicado na edição de setembro da revista Marie Claire.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Deputado não resiste a oncinha

Das artes de influir nos destinos da nação

Por Carol Pires:

Janileny Vieira bebeu o café com calma, tomou banho e penteou com vagar os cabelos pretos. Escolheu uma calça jeans com lycra, sandália de salto e frente-única vermelha. Passou sombra nos olhos e realçou os lábios carnudos com batom. Olhando-se no espelho, pareceu gostar do que viu. A rou-pa ornava bem sua silhueta de 1,59 metro. Era 22 de abril, primeiro dia útil depois do feriado de Tiradentes. Como os deputados federais ainda estavam chegando a Brasília, Janileny se deu ao luxo de ir à Câmara de jeans.

Jani tem 28 anos e há nove trabalha como coletora de assinaturas. Natural de Fortaleza, deixou pai, mãe e irmã para ir em busca de emprego na capital. Com a ajuda de um deputado (hoje senador) cujo nome não revela, conseguiu logo um bico: convencer 171 deputados a assinar um requerimento de Proposta de Emenda à Constituição (pec). "Convencer" é modo de falar. De requerimento na mão, ela apenas perguntava ao deputado que estivesse passando pela frente se ele não podia dar uma assinadinha rápida. A maioria assentia sem pensar duas vezes.

Nem tudo foram flores no primeiro dia. Um parlamentar se irritou por ela não saber com quem estava falando: "Você olhe para mim e aprenda meu nome, meu estado, meu partido e o número do meu gabinete!", vituperou, o dedo espetado no ar. Naquele dia mesmo, Jani imprimiu uma lista com foto e identificação dos 513 deputados. Memorizou tudo, e em pouco tempo virou um Google ambulante para questões onomásticas relativas à Câmara. "Leonardo Quintão, pmdb de Minas Gerais, gabinete 914", diz, apontando o deputado que se aproxima. Olha para o outro lado e carimba: "George Hilton, pp de Minas, 843." Ao avistar o paulista José Aníbal: "psdb, gabinete 832." Hoje ela não precisa procurar serviço: "Os assessores vêm até mim com trabalho", conta.

Ter coletores profissionais de assinatura circulando pelos corredores é uma das muitas peculiaridades do combalido Legislativo nacional. Digamos que em determinado dia o nobre deputado Fulano de Tal seja acometido por uma idéia. Diligente que é, no mesmo instante arregaçará as mangas para produzir uma bela peça legislativa. Mas haverá um entrave: espantosamente original, sua proposta exigirá mudanças na Constituição. Ora, uma mexida constitucional não pode nem ser aventada se no mínimo 171 colegas não endossarem o projeto para apresentá-lo à mesa diretora. É aí que entram profissionais como Janileny.

Visto que deputados estão sempre ocupados demais para ir atrás dos colegas, delega-se a função. Ela não é funcionária da Câmara. Nem concursada, nem comissionada, nem terceirizada, nada. Sequer é parente de José Sarney. Jani entra no prédio graças a um crachá vermelho emitido pela diretoria administrativa da Casa. Nele está escrito: "Autorizado." Cada deputado tem direito a um só crachá e pode dá-lo a quem quiser. Janileny só usa o dela para passar pela portaria: "Depois guardo na bolsa. Não combina com a minha roupa.

"No dia 23 de abril, quinta-feira, Jani optou por sair em campo com uma indumentária mais estratégica do que um jeans colante. Vestiu um terninho rosa e sandália de salto alto, realçados por sombra brilhante e batom Rosa Grape, marca Boticário: "Tem outras dez pessoas aqui pedindo para deputado assinar projeto. Como eu ando colorida, eles sempre se lembram de mim." Na semana seguinte, ela se faria notar com várias outras cores: vermelho, azul-anil, verde-limão, amarelo-ovo e amarelo-escuro.Só que nenhum colorido é mais rentável do que o seu terninho de oncinha: "Menina, não é possível! Ontem eu fui numa vidente e ela me disse que eu teria dois filhos e que a mãe deles seria uma onça!", disse-lhe um deputado outro dia mesmo. A assinatura foi colhida sem maiores esforços.

Um coletor sem oncinha leva em média três dias para reunir as 171 assinaturas de uma pec, enquanto Jani liquida em menos de dois. Resplandecente, Janileny se posta no corredor que dá acesso aos anexos II, III e IV da Câmara. Ela quase sempre conhece o teor da proposta que tem em mãos, mas raramente precisa explicar. Ao ver um deputado, apenas diz: "Deputado, assina aqui para mim." A maioria assina sem titubear, em geral sem saber do que se trata. "Só um ou outro xarope pede explicação", diz. Vez por outra, voltam para reclamar: "Poxa, Jani, era para cpi...", protestam, depois de terem inadvertidamente apoiado a instalação de uma.

Sim, os líderes costumam orientar a bancada sobre como proceder acerca de um projeto. "Eles dizem para os deputados: 'Não assina a pec tal que está no corredor.' Mas daí", explica Jani, "se ele me diz que não pode assinar porque o líder mandou, eu digo: 'Ah, mas o senhor está tão lindo hoje.' A maioria acaba cedendo."

Se há uma regra de ouro nesse ramo, é a imparcialidade. Jani defende qualquer parlamentar com unhas e dentes. Edmar Moreira, por exemplo, o do castelo, "está sendo vítima de armação". De Roberto Jefferson ela só guarda boas recordações: "Chorei muito por ele." Só sobre José Sarney ela se fecha em copas: "Morro de medo desse homem. Não tenho nada a declarar." Permite-se apenas uma leve crítica ao deputado Fábio Faria, em cujas asas, turbinadas pelo contribuinte, voou a namorada Adriane Galisteu: "Pagar passagem para ela já é demais..." Depois de uma pausa, completou: "E ele não assina comigo."

Como se sabe, Fábio Faria e os demais deputados com alma de Marco Pólo saíram impunes da crise por decisão de Michel Temer, presidente da Câmara. "Esta foi a melhor notícia dos últimos tempos", alegra-se Jani. "Não pelo Fábio Faria, mas porque não vai prejudicar os deputados que ajudaram tantas pessoas a viajar", diz, a sério.

No início da carreira Janileny cobrava 1 real por canetada. Hoje, experiente no ramo, adota uma tabela própria. Recurso é o mais barato: 100 reais. "Só precisa de 60 assinaturas, então cobro o piso." Em seguida, pec: 400 reais. Quase todos assinam porque é difícil de ser aprovada - logo, assinar só traz benefícios. Criação de frente parlamentar, 198 assinaturas, 600 reais: "Depois de assinar eles precisam participar das reuniões, então é mais chato." cpis ficam no topo: 800 reais. "São 171 assinaturas também, mas com cpi ninguém quer se comprometer."

Os proventos de Janileny estão entre 2 mil e 5 mil reais por mês. As vacas mais gordas lhe deram o ar da graça em 2006, quando o Congresso votou alterações na legislação tributária. Ela conseguiu completar 29 requerimentos e fechou o mês com 17 mil reais. Quem lhe paga é sempre um assessor do autor do projeto. Jani só trabalha mediante pagamento em dinheiro vivo, sem nota fiscal.

Ela não tem planos de trocar a Câmara pelo Senado. Pela boa razão de que "encontrar senador no corredor é mais difícil do que ver orelha de freira". Onde está, Jani contribuiu com alguns dos capítulos mais emocionantes da vida nacional. Já colheu assinaturas para a cpi dos Correios, para a dos Sanguessugas e para a pec que beneficia o Brasil com a dádiva de mais 8 mil vereadores.

Obs: Texto publicado na edição 34 da revista piauí.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Rolling Stone - Entrevista com Sérgio Guerra

Depois do presidente luiz Inácio Lula da Silva, talvez seja o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) um dos mais incomodados com o conterrâneo Sérgio Guerra, presidente nacional do PSDB, sigla que é a principal adversária do PT. Vizinho do senador tucano, Jarbas vive pedindo à sua funcionária que telefone para a casa do senador, no andar de baixo, para que abaixem o som. A paixão do tucano pela música atormenta Jarbas sempre que Guerra aciona o home theater da marca dinamarquesa Bang & Olufsen para ouvir o último DVD de Vanessa da Mata, um Clássico dos Rolling Stones, Santana ou Pink Floyd, ou os pernambucanos Lenine e Chico Science & Nação Zumbi.

Sérgio Guerra nos recebe para um almoço no apartamento funcional onde mora na Asa Sul, em Brasília. Um espaço repleto de obras de artistas pernambucanos como Francisco Brennand, Reynaldo Fonseca e João Câmara. Criador de cavalos mangalarga e cães da raça buldogue, ele começou a vida política em 1963, como líder estudantil, e militou ao lado do ex-governador Miguel Arraes e de Jarbas Vasconcelos. Formou-se em economia na Universidade Católica de Pernambuco e fez pós-graduação na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Agora arma-se para comandar o PSDB numa das mais acirradas disputas eleitorais desde a Redemocratização do país, em que tucanos e petistas vão travar uma batalha quase sangrenta para conquistar mais quatro anos no Palácio do Planalto e ampliar o número de governadores e parlamentares.



O PSDB faz de tudo para voltar ao poder em 2010. Quais as armas do partido?

Acho que o PSDB está fazendo menos que deveria. Se já tivéssemos um nome para candidato à Presidência da República, poderíamos estar divulgando-o com mais intensidade e construindo a candidatura. Se esse nome estivesse definido, também seria mais fácil estruturar as alianças locais e um discurso para o futuro. Mas hoje sabemos que essa questão só estará resolvida no segundo semestre. Por isso, acho que o partido ainda não está fazendo de tudo [para voltar ao poder].

O partido vai realizar prévias partidárias conforme deseja Aécio Neves?

As prévias só acontecerão se os governadores José Serra e Aécio Neves não se entenderem. Acredito que eles vão se entender. E vai ser logo, já no segundo semestre.

De onde vem esse otimismo?

Eu acompanho de perto o dia-a-dia dos dois e conheço as condições objetivas do partido. No PSDB, não existe favoritismo, mas há uma unanimidade: vamos nos unir e disputar a eleição para ganhar. Para isso, os eleitorados de Minas e de São Paulo terão que se entender.

A vitória se dará com Serra ou Aécio?

Serra tem um quadro eleitoral muito forte, mas Aécio tem grande potencial. O que vai acontecer só o tempo dirá. Eu só espero que esse tempo não seja longo. São Paulo e Minas Gerais são os dois maiores colégios eleitorais do país, onde o PSDB é mais forte. Serra tem um quadro eleitoral muito forte, mas Aécio tem grande potencial. O que vai acontecer só o tempo dirá. Eu só espero que esse tempo não seja longo. São Paulo e Minas Gerais são os dois maiores colégios eleitorais do país, onde o PSDB é mais forte.

Uma chapa puro-sangue formada por Serra e Aécio seria imbatível. O que a inviabiliza?

Acho que se uníssemos os eleitorados de Minas e São Paulo, teríamos vantagem folgada no Sudeste e no Sul e um equilíbrio favorável no Centro-Oeste. Teríamos que disputar no Norte e perderíamos no Nordeste [reduto do presidente Lula]. Mas ganharíamos a eleição!

O discurso de campanha do PSDB será conciliador, no estilo “pós-Lula”, como defende Aécio Neves, ou mais crítico, na linha José Serra?

Temos que fazer um discurso para o futuro, preparar uma agenda para o futuro. O candidato do PSDB necessariamente terá de provar à população que não adianta continuar como está, é preciso mudar. É claro que haverá críticas ao governo atual. Vamos defender um projeto para o país por meio de uma crítica sóbria, mostrando que o governo Lula aparelhou o serviço público, não praticou uma política severa do ponto de vista fiscal, levou a saúde ao caos e não evitou a guerra da violência nas ruas.

O centro do debate eleitoral na eleição de 2006 era a ética e a moral na política, na esteira do Escândalo do Mensalão. No pleito de 2010, a corrupção também será o foco da campanha?

A questão da corrupção é muito importante, mas do ponto de vista eleitoral ela é restrita a alguns setores da sociedade que já se identificam conosco. Com esse tema, exclusivamente, não atingimos o eleitorado potencial da ministra Dilma. Para alcançarmos esse eleitorado, precisamos de propostas que avancem na área social. Avaliamos que o PSDB fez muito no plano social, mas não divulgou, ao contrário do que faz o presidente Lula. Esse tema é alvo de seminários que estamos promovendo pelo país.

As denúncias de compra de votos que levaram à cassação do governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima, e de suposto caixa dois que atingem, atualmente, a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, não poderão atingir o PSDB em 2010, que tem a questão ética como uma de suas principais bandeiras?

Não acredito. O governador Cássio Cunha Lima já foi acusado, injustamente acusado. E a governadora Yeda está sendo alvo de acusações neste momento, mas vamos mostrar que também são injustas. Não acredito. O governador Cássio Cunha Lima já foi acusado, injustamente acusado. E a governadora Yeda está sendo alvo de acusações neste momento, mas vamos mostrar que também são injustas.

Em 2006, o PT derrotou o PSDB com o discurso de que os tucanos queriam privatizar as principais estatais. Agora, petistas como o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, ressuscitaram esse discurso, acusando o PSDB de irresponsável e afirmando que o partido quer a CPI para desmoralizar a Petrobras e, depois, vendê-la no futuro. O que o senhor acha disso?

Em 2006, o ruim foi que eles vieram com esse discurso no segundo turno da eleição. Ainda bem que eles começaram com isso agora, porque teremos tempo para mostrar que essa fraude não se segura até 2010. Se o ministro Paulo Bernardo, que é até simpático, pensasse toda vez que fala, não teria dito isso. Naquele dia, ele não pensou. Ele é bom mesmo é em eleição no Paraná. [Aqui o tucano provoca o petista lembrando as eleições de 2008, quando o prefeito de Curitiba, Beto Richa, do PSDB, foi reeleito com 62% dos votos no primeiro turno, derrotando Gleisi Hoffmann, mulher de Paulo Bernardo, que ficou em segundo lugar com 14,5% dos votos].

Como está o namoro para conquistar o apoio do PMDB na eleição de 2010?

Vamos ter sólidas alianças com o PMDB em muitos estados. Quanto ao que o PMDB vai fazer no plano federal, não temos a menor expectativa. Hoje estamos unidos com o partido em São Paulo, e temos confluências com os peemedebistas em muitos outros, como Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul.

O que o senhor achou da pesquisa do Instituto Vox Populi, que apontou a ministra Dilma Rousseff com 19% e 25% de intenção de votos para a Presidência em 2010?

A ministra Dilma cresce, mas dentro do eleitorado do PT. Antes, ela não era tão conhecida. A pesquisa sugere que o PAC e a doença a tornaram mais popular, ela teve uma exposição maior depois desses fatos. O crescimento dela era previsível e, além de crescer dentro do eleitorado petista, ela ganhou votos que eram do Ciro Gomes e da Heloísa Helena. Sabemos que a disputa com Dilma será dura. No entanto, vamos mostrar que, no fundo, não se conhece sua origem política. Não se conhece o seu discurso e a prática não é convincente. Esse PAC convence alguém? Além disso, Dilma tem um conflito não resolvido sobre sua origem, ela não sabe dizer se é de Minas Gerais ou do Rio Grande do Sul. E são dois estados nada parecidos.
Nossos candidatos são muito mais conhecidos e testados do que ela. Esta entrevista está muito séria, não?

O senhor acha? Então conte-nos o que gosta de ouvir, de ler, de fazer nas horas vagas.

Gosto de todo tipo de música. Agora estou vendo o novo DVD ao vivo da Vanessa da Mata. Mas eu gosto de tudo, olha aqui [e se levanta para mostrar uma pilha de DVDs e CDs na estante da sala]. Gosto de rock, Led Zeppelin, Pink Floyd. Dos pernambucanos, ouço Lenine, Chico Science & Nação Zumbi. Nas horas vagas, gosto de comprar coisas para a minha casa. Sabe o que eu adoro fazer? Comprar louça. O Arthur Virgílio me sacaneia dizendo que isso não é coisa de homem. Ah, também sou criador de cavalos e cachorros. Cachorros eu tenho 15 [e mostra a foto de um buldogue]. Gosto de todo tipo de música. Agora estou vendo o novo DVD ao vivo da Vanessa da Mata. Mas eu gosto de tudo, olha aqui [e se levanta para mostrar uma pilha de DVDs e CDs na estante da sala]. Gosto de rock, Led Zeppelin, Pink Floyd. Dos pernambucanos, ouço Lenine, Chico Science & Nação Zumbi. Nas horas vagas, gosto de comprar coisas para a minha casa. Sabe o que eu adoro fazer? Comprar louça. O Arthur Virgílio me sacaneia dizendo que isso não é coisa de homem. Ah, também sou criador de cavalos e cachorros. Cachorros eu tenho 15 [e mostra a foto de um buldogue].

Quando falamos ao senador Aloizio Mercadante que estávamos fazendo uma matéria sobre o PSDB, ele disse que esse assunto estava “mais para samba-canção do que para rock’n’roll”.

O Aloizio disse isso? Mas ele não gosta nem de música! A única que ele deve conhecer é aquela que o [senador Eduardo] Suplicy canta nos comícios do PT! [“Blowing in the Wind”, do Bob Dylan].

Tucanos na Corda Bamba



O PSDB quer retornar ao poder e tem o líder das pesquisas na corrida pela sucessão, mas parece mais perdido que cego em tiroteio

Por Andrea Jubé e Carol Pires:

Numa quarta-feira de maio, dia nobre de votações, senadores do PSDB e do DEM, partidos de oposição ao governo, tumultuavam a discussão da medida provisória que capitalizou o Fundo Soberano, uma espécie de poupança pública no valor de R$ 14 bilhões. A oposição era contrária ao fundo e preparava-se naquela noite para vencer mais um round contra a matéria. Arthur Virgílio (AM), líder do PSDB, e José Agripino Maia (RN), do DEM, comandavam a obstrução. Do outro lado do ringue, Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo Lula no Senado, guiava a base aliada na batalha da qual sairia derrotado.

Durante a peleja, enquanto outros senadores se revezavam na tribuna em longos discursos para atrasar a sessão, atrás do plenário, na sala do cafezinho, os adversários Virgílio, Jucá e Aloizio Mercadante (SP), líder do PT, estavam despojadamente aboletados em suas cadeiras, saboreando biscoitos de maisena e conversando amenidades."PSDB? Esse assunto é tão velho que está mais para samba-canção do que para rock'n'roll", caçoou Mercadante. Minutos depois, quando o petista deixou a roda, José Agripino aproximou-se. "Arthur, você está dando entrevista para a Rolling Stone? Mas você é mais velho que o Mick Jagger", provocou.

Do líder dos Stones, o assunto fluiu para a apresentadora Luciana Gimenez, que havia entrevistado o governador de São Paulo, José Serra, pré-candidato tucano à Presidência da República. Logo os adversários esqueceram as diferenças políticas, entrando em acordo sobre as curvas e a beleza da mãe de Lucas Jagger.Apesar de hoje pertencerem a partidos diferentes, Virgílio, Agripino e Jucá têm mais em comum do que supõem os espectadores da TV Senado.

Jucá começou no ex-PFL (hoje DEM), passou pelo PSDB - do qual foi vice-presidente nacional e líder do governo Fernando Henrique Cardoso - até chegar ao PMDB. Agripino foi um dos fundadores do PFL em 1985 e nunca abandonou a legenda, que se transformou na principal aliada dos tucanos. Virgílio faz parte da turma de egressos do PMDB que deixou o partido para fundar o PSDB em 1988.

O PSDB, Partido da Social Democracia Brasileira, nasceu da dissidência de um grupo de peemedebistas que começou a se sentir desconfortável com o crescente poder de correligionários nos diretórios regionais. O grupo formado pelos então senadores Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas, pelo ex-governador Franco Montoro e pelos deputados José Serra e Arthur Virgílio, destacou-se pela formação intelectual e pelo ideário de centro-esquerda. Uma postura que se contrapôs aos líderes considerados direitistas que controlavam o partido em seus estados, e estão lá até hoje, como Orestes Quércia em São Paulo, Newton Cardoso em Minas Gerais e Iris Rezende em Goiás.

Hoje, o PSDB contabiliza oito anos no comando do poder federal. No Congresso Nacional, tem a segunda maior bancada de deputados federais com 58 parlamentares, a terceira bancada no Senado com 13 integrantes e o segundo maior número de prefeituras, com 788 cidades conquistadas em 2008, perdendo apenas para o PMDB.Depois de aumentar a ninhada, os tucanos de peito amarelo-bandeira lutam para driblar a natureza que lhes deu bico grande, asas curtas e vôo rasteiro para voar alto mais uma vez. O PSDB ainda amarga as duas derrotas consecutivas para o PT nas eleições de 2002, em que o governador José Serra perdeu para Luiz Inácio Lula da Silva, e de 2006, em que o ex-governador Geraldo Alckmin saiu derrotado por Lula, que se reelegeu.

Desta vez, o PSDB precisa agir com cautela para não acabar como quem tinha dois pássaros na mão e ficou sem nenhum, depois que ambos voaram. O partido lançou-se na corrida presidencial com dois nomes competitivos, sendo que o governador de São Paulo, José Serra, mantém-se há meses na liderança absoluta de todas as pesquisas de opinião. Além disso, o partido convive com o espectro do terceiro mandato de Lula, que embora veementemente rechaçado pelo presidente da República, não deixa de assombrar os tucanos.

Você lê esta matéria na íntegra na edição 33, junho/2009

segunda-feira, 13 de abril de 2009

A Fênix de Allagoas




Fernando Collor sobreviveu ao impeachment e desafia a memória. Será que ele vai se contentar em presidir uma Comissão no Senado?


Por Andrea Jubé e Carol Pires:

"A impressão é a de que passa um filme na cabeça dele", diz o senador petista Delcídio Amaral sobre a visão de Fernando Affonso Collor de Mello (PTB/AL) sentado em uma cadeira do plenário do Senado, entretido com seus pensamentos. O ex-presidente da República, um personagem midiático sempre perseguido por repórteres nos fins de semana em que andava de jet ski, estava a bordo de uma Ferrari ou pilotava aviões de caça, havia se transformado em um senador casmurro quando, no início de 2007, 14 anos após o impeachment, o mesmo Senado que o cassou teve de acolhê-lo.

Desde então, Fernando Collor se mantinha impassível,comedido. Como se instalado na cadeira da primeira fila do lado esquerdo do plenário - onde sentamos senadores dos estados que começam com a letra "A" -, no mesmo palco onde foi cassado, o ex-presidente da República, único na história brasileira a sofrer um impeachment, se lembrasse de cada detalhe, de cada fala, de cada personagem do processo que o alijou da vida política nacional por oito anos.O tempo de exílio político acabou transformando o ex inquilino do Palácio do Planalto, protagonista de aventura se factóides, em um senador obscuro, embotado,marcado pelo constrangimento.

Desde quando tomou posse, evitava os jornalistas, economizava cumprimentos,passava mais tempo no gabinete. Ele sofreu um processo de adaptação no qual se aproveitou das licenças parlamentares para se afastar nos momentos difíceis. A primeira licença de quatro meses, desfrutada em 2007,coincidiu com o processo de desgaste político do então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL),que havia sido líder de seu governo em 1990. A segunda licença, que durou outros quatro meses, coincidiu comas eleições de 2008. Collor se afastou para comandar a campanha do filho, Fernando James, candidato a prefeito de Rio Largo, no interior de Alagoas.

No total, pode-se dizer que Collor passou um terço dos primeiros dois anos de mandato (são oito anos) licenciado.Um levantamento feito pelo site Congresso em Foco em 2007 o apontou como o senador "mais faltoso" naquele ano. Ele deixou de comparecer a 44 das 76 sessões realizadas - considerado o período em que estava no exercício do mandato. O título o incomodou porque dos atributos dos tempos de presidente que deseja manter, estão o apego à disciplina e à organização. No ano passado, se recompôs ficando entre os 30 senadores mais assíduos.

Somente agora, entretanto, após dois anos de mandato - e a dois anos das próximas eleições gerais para governador e presidente da República - pode-se afirmar com todas as letras: "Ele voltou".Após o período de adaptação em que se pautou pela discrição e pelo recolhimento,o político saiu do casulo. Topou a indicação do PTB para representar a bancada na presidência de uma das 11 comissões temáticas do Senado. No início de março,conseguiu se eleger presidente da Comissão de Infraestrutura (CI) após embate árduo com os senadores petistas.

No Congresso Nacional,não basta ser titular de um mandato político para gozar de poder e glória. Depois de chegar à Câmara dos Deputados e ao Senado,os políticos se lançam em disputas acirradas por cargos de maior projeção.Foi o que aconteceu com Collor, alçado a um posto de prestígio no seleto clube frequentado por suas excelências. Empossado no cargo, será, daqui para a frente, o gerente do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) - carro-chefe do governo Lula e bandeira da ministra da Casa Civil,Dilma Rousseff, virtual candidata do PT à sucessão presidencial. Na cadeira de presidente da comissão, não terá como fugir aos holofotes. E parece não ser mesmo isso o que ele quer.

Quem acompanha a performance parlamentar de Collor desde o começo notou a mudança. Até pouco tempo - e nas raras vezes em que era flagrado em plenário -o senador por Alagoas (nascido no Rio de Janeiro em 1949) podia ser visto como na cena descrita por Delcídio Amaral. O aspecto arredio, o olhar distante e misterioso,como se assistisse a um filme de sua vida, foi substituído pela expressão desafiadora do presidente imperial, com olhar duro e trote militar dos velhos tempos.

Comentário: Você lê esta matéria na íntegra na edição 31, abril/2009, da revista Rolling Stone.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

O informante (até às 22h)


Plenário: Senador nega tudo. 16h12.

Por Carol Pires:

Era o dia 13 de dezembro de 2007, já passava da uma da manhã. Rosean Kennedy, apresentadora da rádio CBN, dormia nos braços de Willian, seu marido, quando recebeu uma mensagem no celular. O casal se assustou, pois naquela semana o pai de Rosean andara doente. Na penumbra do quarto, Willian perguntou: “Quem está te mandando mensagem a essa hora?” Sua motivação não era a desconfiança conjugal, mas uma sincera preocupação com o sogro. Nada, disse a sonolenta Rosean, assunto de trabalho. “A essa hora?”, resmungou o marido, também sonado.

Era trabalho, sim: a mensagem informava que a CPMF acabava de cair. Willian só não sabia (admitiria algum ciúme se soubesse?) que o signatário era Adriano Fernandes, um homem de cabelos pretos cuidadosamente adestrados a gel, nariz afilado, 75 quilos em 1,82 metro de corpo “atlético”, como descrevem as revistas femininas, e, cereja do bolo, portador de uma arma (por estrear) que dispara flechas imobilizadoras.

Hoje aos 39 anos — treze como segurança no Senado —, ele é dublê de fonte da imprensa brasiliense, papel que assumiu na época do affaire entre o senador Renan Calheiros e a jornalista Mônica Veloso.

O então presidente do Senado — às voltas com complicações extraconjugais, filha não reconhecida, pensão alimentar paga por empreiteira, cabeças de gado suspeitas e demais especiarias de um imbróglio político-brasiliense — passara a usar saídas de fundo, elevadores secretos e seguranças monumentais para driblar a imprensa. Cada (mau) passo seu poderia render notícia, a exemplo de cada declaração amistosa do líder do governo, Romero Jucá, ou cada acusação dos líderes oposicionistas José Agripino Maia e Arthur Virgílio.

A malta de jornalistas corria atrás de frases que espichassem as reportagens em mais um ou dois parágrafos. Foi aí que Fernandes entrou em cena. Uma repórter lhe pediu que a avisasse quando este ou aquele figurão entrasse no plenário. Topando na hora, no dia 15 de junho de 2006 o segurança enviaria um de seus primeiros despachos: “Plenário: Romero Jucá, líder do governo, está no plenário. 15h17.”

A fórmula deu certo, e Fernandes virou fonte de um grupo seleto de quinze repórteres cujos telefones ele guarda na memória do celular. São, na maioria, produtores de emissoras de televisão e rádio. De jornal impresso, há poucos. “Eles têm mais tempo para apurar o assunto. Não precisam dessa urgência para achar os caras”, explica a fonte.

Fernandes criou um regimento próprio para seus serviços. Por exemplo, não se deve ligar para agradecer a informação — “que é para o meu celular não ficar tocando toda hora” — e não se deve esperar mensagem depois das dez da noite (o caso da CPMF foi exceção). Em termos de técnica jornalística, seus textos são, em geral, canônicos: uma linha só, com onde, quem, o quê e quando — “Plenário: Senador Paulo Paim anuncia vigília em plenário em prol dos aposentados. 13h49”; “Plenário: Garibaldi anuncia devolução da MP 446.” Ele está sempre a serviço da notícia: “Gosto de dar a coisa quente, por isso digo até a hora em que o fato ocorreu, para quem quiser ir lá conferir nas notas taquigráficas.”

O serviço é gratuito. Fernandes, que ganha cerca de 6 mil reais, se diz movido pelo dever moral e cívico. “A democracia precisa da imprensa”, filosofa. Ele não é um segurança padrão, pois aprecia tanto a massa muscular quanto a cinzenta. Faz-se compreender em duas línguas estrangeiras: espanhol e inglês. Leu de Maquiavel a Mao Tsé-Tung nos tempos em que estudou contraterrorismo em Washington.

Formou-se em ciência da computação em Brasília. Em menos de um ano, passou em três concursos públicos: Universidade de Brasília, Ministério da Agricultura e Senado Federal. Trabalhou nos três lugares, como técnico de computação ou de administração. “Os salários eram uma merreca”, diz. Em 1995, virou segurança.

Talvez por ter passado mais de uma década assistindo ao vivo a debates políticos — ele foi contratado para manter a ordem no plenário —, Fernandes se aperfeiçoou em manhas de político. Empregando a tática de não dizer nada que possa ser usado contra ele mais tarde, garante ser agnóstico em relação não só a partidos, mas também a times de futebol, escolas de samba e concursos de miss. “Para ter uma visão mais ampla das coisas, prefiro não criar vínculo”, explica no melhor estilo sem-ideologia aperfeiçoado pelo PMDB. Não revela nem o senador que, a seu ver, discursa mais bonito. “Não. Mas se eu fosse um político, seria o Jucá, porque sou como ele: não tenho muita conversinha. Gosto é de resultados”, diz, no auge de comprometimento a que se permite.

Por ora, seu melhor resultado jornalístico foi mesmo o anúncio da derrocada da CPMF. Enquanto o SMS era disparado à 01h10 para os quinze jornalistas, Ricardo Noblat, titular do blog de política mais acessado do país, anotaria a notícia à 01h12, a mesma hora em que a informação apareceu na Folha Online e no portal G1. No mundo virtual, dois minutos podem ser a diferença entre notícia e papel de embrulho. E as notas de Fernandes, além de frescas, são públicas — pelo que reza seu próprio regimento, ele só repassa o que os senadores dizem em alto e bom som no plenário. Bastidor, nem pensar: “Meu negócio é notícia oficial.”

No ano passado, quando um infarte fulminou o senador amazonense Jefferson Péres, Brasília mal acordara e a maioria dos repórteres ainda se espreguiçava em casa, mas o grupo dos quinze foi surpreendido assim que o relógio deu 8h36. Na ocasião, o casal Rosean e Willian Kennedy já deixara os lençóis. Contudo, sendo ainda madrugada para a República, o marido teve de perguntar: “Mensagem a essa hora?”

Comentário: Texto publicado na revista piauí 31 (abril de 2009).

segunda-feira, 9 de março de 2009

Suplicy: Sensual


Por Carol Pires:

Ao ligar o computador no dia 19 de junho de 2007, a secretária parlamentar Neisse Dobbin, assistente do senador Eduardo Suplicy, se deparou com uma mensagem quase agônica: "Sei que quem vai ler isso não é o senador, fico frustrada com isso, pois tenho o sonho de conhecê-lo pessoalmente. Acho você um homem inteligentérrimo e muito muito lindo, meu sonho de consumo. [...] Por favor, quem estiver lendo isso, por favor, fale para ele." Neisse falou.

E não só falou como guardou o e-mail na pasta vermelha intitulada "Correspondências pessoais femininas!" assim mesmo, com exclamação. A mensagem se juntava, assim, aos outros vinte e-mails impressos, treze cartas, um sedex e seis fotografias que até aquele momento compunham o acervo das mais românticas missivas endereçadas a Eduardo Matarazzo Suplicy. A média está em 400 declarações de amor por ano, o que significa mais de 1,5 suspiro por dia útil.

O amor vem de todas as partes e se manifesta com graus variados de sofreguidão. Anos atrás, uma potiguar de 43 anos se disse enciumada ao flagrar Suplicy "dando um cheiro" no presidente Lula. "Queria estar no lugar dele", declarou.

Uma rival sua de Joinville, de 28 anos, foi mais dada: "Com todo o meu respeito, senhor senador... eu te amo. Apesar de seres do partido que és... eu te amo." Sem descurar da liturgia exigida pelo cargo, capitulou de vez: "Se o senhor estiver descomprometido, quero me casar com o senhor. Enfim, te amo... com todo o meu respeito."

Uma mineira de 31 anos, "separada e sem filhos", disse que nem sabia de onde tirava coragem... "Mas o fato é que tenho a maior vontade de conhecer o senador Suplicy." A investida foi amena, se comparada à da curitibana de 52 anos que, alegando "uma vontade imensa de encontrar um grande amor", convidou o parlamentar para um rendez-vous em mensagem enviada às 11h15 do dia 26 março de 2004. Ela se adiantava em precisas cinco horas à viúva gaúcha de 51 anos que naquele dia, em despacho das 16h15, iria se confessar desconcertada ao ter conhecimento, pela televisão, de que o senador buscava uma nova companheira.

"Nessa época eu já estava com a Mônica. O programa passou a informação errada", afirma categoricamente Suplicy, referindo-se à jornalista Mônica Dallari, sua amiga há 23 anos e namorada há pouco mais de quatro. "É a mulher que Deus criou para mim", espalha enternecido.

Deve ter razão, pois, segundo consta, Mônica chega a ouvi-lo com deleite quando ele canta Blowin' in the Wind costume ao qual a ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy jamais se resignou ao longo das quatro décadas em que foram casados. De todo modo, caso Mônica algum dia reveja sua opinião sobre os dons musicais do companheiro, ele terá sempre o consolo de saber que uma carioca se dispõe a ouvi-lo pelo resto da vida, pois o admira "imensamente como cantor e poeta".

Indagado a respeito dos interesses femininos que desperta, o senador desconversa: "Minha mãe poderia responder. Ela gosta muito de mim." Falsa modéstia ou não, o fato é que a cada discurso sobre Cesare Battisti, Racionais MC, venda de laranja no Brasil e, sim, até sobre o programa Renda Mínima Suplicy recebe cerca de 500 e-mails. "Quase mil quando o assunto é polêmico", diz Neisse.

Em meio à plêiade de opiniões e pedidos de eleitores, vêm as manifestações de apreço como a da paulista de personalidade forte: "Embora a Marta não ache, tenho por você grande admiração não só no campo intelectual, como pela sua ética, seu caráter. Também te acho muito sensual e charmoso."

A sensualidade de Suplicy foi igualmente exaltada por uma amazonense sagitariana que desde muito pensava escrever, "mas resistia à idéia por achar que uma correspondência de cunho pessoal, ainda vinda de uma pessoa estranha do Amazonas, jamais lhe chegaria às mãos." Ela só pôde ousar quando se lembrou dos versos de Fernando Pessoa: "Tudo vale a pena se a alma não é pequena." Foram eles que a estimularam a ir ao correio no dia 6 de outubro de 2003 e despachar um cartão verde endereçado ao Senado Federal.

"Às vezes surpreendo-me imaginando o toque das suas mãos longas e macias acariciando meu rosto", escreveu com sentimento. E assegurou: "Não sofro de nenhum distúrbio mental, não projeto carências em pessoas públicas, sou independente, bonita e feliz. Não há outras razões senão o gostar."

No cartão ela narra o momento em que sucumbiu. Estava no aeroporto Juscelino Kubitscheck, em Brasília, quando de repente viu Suplicy na fila do check-in. Ele lançou-lhe um olhar acompanhado de um sorriso e foi o que bastou: "Me fez gostar... simples assim, como simples é a letra da música de Johnny Alf O que é amar."

Com a mistura de placidez e marketing que o tornam inimitável, o senador se justifica: "Não me lembro desse dia, mas tenho certeza de que foi só um olhar inocente." Ciente de que mesmo o seu sorriso mais casual é capaz de produzir um "simples gostar", ele evita dar corda e, a exemplo de Tom Cruise, Leonardo di Caprio e Brad Pitt, não responde aos apelos românticos. Abre exceção apenas para "quem insiste demais". Àquelas que descobrem o número do seu celular ou que o encurralam no corpo-a-corpo, ele gentilmente agradece e, com voz suave, avisa que é comprometido, deixando bem claro que Eduardo & Mônica.

Desamparado, o fã-clube feminino parece ter se retraído. Este ano, ao menos por enquanto, somente duas cartas tiveram o privilégio de ir para a pasta vermelha.

Comentário: Texto publicado na edição 30 (março de 2009) da revista piauí. Ilustração de Andrés Sandoval.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Eterna


Por Carol Pires:


Jovem belíssima, mulher genial e velha obscena: todas Hilda Hilst. Três anos depois de sua morte, a estrela de Aldebarã (como a chamava Carlos Drummond de Andrade) será homenageada, amanhã – dia em que faria 77 anos –, pela concretização de um sonho antigo: transformar a Casa do Sol, em Campinas, refúgio da poeta durante 38 anos, em um instituto de pesquisa sobre sua obra.

Agora, o escritor José Luis Mora Fuentes, velho amigo de Hilda, herdeiro da Casa e responsável pelo projeto Instituto Hilda Hilst – Centro de Estudos Casa do Sol apresenta ao público o resultado de três anos de trabalho: a montagem da Biblioteca Apolônio de Almeida Prado Hilst (pai de Hilda); o teatro de arena Auditório Gisela Magalhães; e a transformação dos quartos da casa em aposentos para estudantes bolsistas interessados na obra da escritora.

A Casa do Sol abrigou não só a escritora mais polêmica de sua época, mas também a efervescência cultural de duas décadas. O lugar foi ponto de encontro dos principais intelectuais brasileiros nas décadas de 1970 e 1980: lá se reuniam, por exemplo, a atriz Eva Wilma; os escritores Lygia Fagundes Telles e Caio Fernando Abreu; e a poeta Olga Savary. Na casa de 700 metros quadrados, ou ao ar livre em seu enorme terreno, entre os incontáveis cães de Hilda, bebia-se, comia-se e falava-se de poesia, entre muitas coisas mais.

"Com a morte da Hilda, pensamos: o que será feito com a Casa? Ela havia planejado tudo isso", conta Mora Fuentes. O escritor formatou então o projeto do instituto que, hoje, já abriga dois bolsistas. Fuentes acredita também que "a reabertura da casa ao público conserva a memória de Hilda, resgata sua obra e traz para o Estado de São Paulo um novo espaço cultural planejado".
Amanhã haverá uma festa no sítio, com a presença das atrizes Maria Alice Vergueiro (protagonista do vídeo Tapa na Pantera, popular no YouTube) e Rosaly Papadopol, ambas com planos de representar Hilda no teatro.


OusadaFilha da portuguesa Bedecilda Vaz Cardoso e do fazendeiro de café, poeta, jornalista e ensaísta Apolonio de Almeida Prado Hilst, Hilda nasceu em Jaú (SP) em 1930. Ousada, provocativa, única, era conhecida pela beleza e pela vida de luxo, glamour e amantes (entre eles o cantor americano Dean Martin e o poeta Vinicius de Moraes). Ela, porém, queria ser aceita não pela beleza, mas por sua poesia. A solução, bem peculiar: "Puxei os cabelos para trás e comecei a me enfeiar". Foi quando, nos anos 60, decidiu abandonar a capital paulista para morar na Casa do Sol e se dedicar à literatura.

Anos antes, aos 20, a jovem poeta publicou Presságio. Em Balada de Alzira – obra seguinte, de 1951 –, aos 21, a estudante de Direito da Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, dizia: "Somos iguais à morte/Ignorados e puros" – versos que chamaram a atenção da escritora Cecília Meirelles, que anunicou: "Quem disse isso precisa dizer mais".

E foi o que Hilda fez: de obra multifacetada e singular, muitas vezes incompreendida, a escritora paulista escreveu quase 40 livros ao longo de 50 anos. De início, poesia; depois, entre 1967 e 1969, oito peças de teatro; e, em 1970, a primeira ficção, Fluxo-floema.

Ousada, porém – tanto nos temas quanto na maneira onírica de escrever, sem linhas temporais, vírgulas ou pudor –, Hilda carregava o estigma de talvez jamais se tornar popular. Inconformada, a escritora tomou em 1990 uma decisão surpreendente: depois de saber que a francesa Regine Deforges ganhou mais de US$ 10 milhões com o best-seller erótico A Bicicleta Azul, concebeu O Caderno Rosa de Lori Lamby. A idéia: chamar a atenção.

Logo nas primeiras páginas do livro, em primeira pessoa, Lori anuncia que tem apenas 8 anos; depois, despudorada, começa a narrar suas úmidas experiências sexuais. Quem não teve coragem de ler o livro até o fim não sabe, porém, que tudo não passava de imaginação da menina. Na contracapa do livro, uma foto de Hilda ainda criança, ornada, com soberba ironia, pela frase: "Ela foi uma boa menina".

O Caderno Rosa foi o primeiro livro da sua trilogia erótica, que inclui Contos d'Escárnio/Textos Grotescos (1990) e Cartas de um Sedutor (1991). Por eles, Hilda ganhou, além de leitores, a preconceituosa alcunha de velha obscena. "Acho que nem na França me entenderam", desabafou, na época, apesar de ter alcançado notoriedade com o livro.

Misturar traços biográficos com uma das ficções mais erótico-pornográficas da literatura brasileira não constitui o único gesto de atrevimento da autora. Sua poesia, repleta de indagações metafísicas, acabou conduzindo-a a mergulhos no universo das leituras da física e da filosofia, em sua busca de respostas sobre a imortalidade da alma. Hilda costumava dizer que o hábito do estudo era todo em função de Marduk, planeta de outra dimensão onde já estariam Einstein, Paracelso e Julio Verne. Bem-humorada, dizia não querer chegar lá sendo idiota.

Nos últimos anos de vida, a poeta – que morreu em fevereiro de 2004 – havia trocado o ofício da escrita pelo prazer da leitura. Hilda declarava: "Já disse tudo".

Comentário meu: Texto publicado em abril de 2007, no Jornal de Brasília.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Os Rumos da Democracia


Por Carol Pires

A internet transformou-se em uma rede de insultos de cidadãos que apelam para o sentimentalismo político barato sem chance de debate


Imagine o presidente Lula, entre uma reunião com a Ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e uma conferência com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, acessando o YouTube para assistir a seus clipes preferidos. Ou sacando o celular do bolso e mandando um SMS para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Quem sabe consultando seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, pedindo permissão para conversar no MSN (bloqueado no Planalto).

Nenhum dos assessores do presidente procurado pela Rolling Stone Brasil soube confirmar se é do feitio de Lula navegar na internet. Mas o fato é que, se quisesse, ele poderia conectar-se diariamente, ter e-mail pessoal e mandar mensagem pelo celular - tudo nos conformes da lei brasileira. O que, aliás, deixaria Barack Obama em desvantagem virtual.Obama assumiu a presidência dos Estados Unidos injuriado por ter de abandonar seu BlackBerry. A legislação dos Estados Unidos dita que eles, os chefes de Estado, devem oferecer à população acesso a todas as suas correspondências. Mudando essa lei, ele conseguiu que o serviço secreto norte-americano lhe garantisse um modelo Sectera Edge, um celular capaz de criptografar conversas secretas e documentos confidenciais (tudo em prol da segurança).

Em campanha, Obama já tinha se valido de todas as ferramentas virtuais disponíveis, conseguiu arrecadar milhões de dólares em doações e conquistou outros milhões de eleitores através de mensagens. Não só isso: investiu em material de campanha em sites, publicou vídeos e não fugiu de debates online. O resultado é indiscutível: o mundo virtual foi essencial para a vitória do democrata.

Ao ser reeleito presidente da República em 2006, Luiz Inácio Lula da Silva não usou dessa tecnologia de conquista de novos eleitores, informação confirmada pela pesquisadora Sylvia Iasulaitis, doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (SP). Na época, ela estudou o funcionamento dos websites de Geraldo Alckmin, do PSDB, e de Lula, do PT, ao longo do primeiro e segundo turnos da eleição. Descobriu que, com a exceção de enviar e-mails, as duas páginas não ofereciam interação. "Não houve possibilidade de publicação de mensagens, sala de bate-papo com ou sem a presença dos candidatos, tampouco medidas que possibilitassem a comunicação lateral entre os cidadãos", apurou a pesquisa.

No estudo "Internet, Espaço Público e Marketing Político", do professor Bernard Sorj, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), encontramos uma pista para explicar o desinteresse dos políticos em criar uma comunicação de mão dupla com seus eleitores. Para Sorj, como a internet não é regulamentada, fica muito difícil lidar com difamações e críticas, uma vez que não é possível saber, muitas vezes, nem nome nem rosto dos signatários das mensagens.É fato. Um levantamento da jornalista Isabela Tavares, realizado na Universidade do Legislativo (Unilegis), encontrou 1.780 comunidades no Orkut em referência aos parlamentares federais brasileiros. No universo de 594 atores - 513 deputados federais e 81 senadores -, 447 (75,25%) têm comunidades a eles dedicadas, muitas delas (16,27% do total) com conteúdo bastante ofensivo.

O senador Tião Viana (PT-AC), por exemplo, é citado em uma comunidade na categoria "Gays, Lésbicas e Afins", na qual o criador e seus seguidores sonham em ter uma noite de amor com o político. Outro senador, Osmar Dias (PDT-PR), incitou o ódio de um eleitor que, sem publicar seus motivos, postou declarações que põem em cheque a capacidade mental do parlamentar.


Você lê esta matéria na íntegra na edição 29, fevereiro/2009, da revista Rolling Stone

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Atentai, senadores: é Mão Santa quem vos fala!


Brasília, Senado Federal, manhã de uma sexta-feira de outubro. A maioria dos senadores está em seus estados. Os escândalos ficaram para a próxima semana. Os assuntos adormeceram e os corredores estão quase vazios. Há poucos senadores no plenário.

Cristovam Buarque (PDT) fala ao telefone. Pedro Simon (PMDB-RS) folheia uns papéis. Paulo Paim (PT-RS) conversa com Wellington Salgado (PMDB-MG). Mão Santa (PMDB-PI) preside a sessão.

- Paim, eu vinha ouvindo V. Exª no rádio do carro. A Rádio Senado AM/FM faz parte também da grandeza deste Senado...

- Paim! Ô Paim! – grita Mão Santa toda vez que Paim tenta conversar com Salgado.

Sextas e segundas-feiras pela manhã, o plenário está quase sempre vazio.

Mão Santa, que completou 65 anos no dia 13 último, usa, vez por outra, da prerrogativa de ser o senador mais velho presente à sessão para ocupar a cadeira de presidente do Senado. De lá, fala o quanto pode. Só este ano discursou 212 vezes. Perdeu apenas para Arthur Virgílio (AM), que foi à tribuna em 216 ocasiões. Virgílio tem a desculpa de que é líder do PSDB, partido de oposição.

Quando se trata de apartes, porém, Mão Santa ganha disparado. Este ano, 329 vezes ele interrompeu discursos dos seus pares. Virgílio procedeu assim apenas 58 vezes.

Mão Santa começou sua carreira política quando foi eleito deputado estadual pelo Piauí em 1978. Fazia parte da Arena, partido que apoiava a ditadura militar inaugurada no país em 1964.

Depois, decidiu desafiar a oligarquia do ex-governador do Piauí, Hugo Napoleão, que comandava a política local.

Ninguém acreditava em Mão Santa, mas ele ganhou a eleição e foi reeleito depois. Governou o Piauí entre 1995 e 2001, quando teve o seu mandato cassado por determinação do Tribunal Superior Eleitoral. Foi acusado de desviar dinheiro público na campanha eleitoral de 1998. Diz a denúncia que para vencer Mão Santa distribuiu de dentadura a pomada vaginal.

Elegeu-se senador em 2002 com 664 mil votos.

Desde fevereiro de 2003, quando tomou posse, chega cedo ao Senado. Seu gabinete é repleto de livros de história e filosofia. Muito do que lê, aproveita nos seus discursos.

Em plenário, gosta de citar eventos históricos, passagens bíblicas, Getúlio Vargas e parafrasear a máxima do jornalista Boris Casoy: "Isto é uma vergonha!" Gosta também de lembrar sua formação em medicina pela Universidade Federal do Ceará.

Mão Santa exerceu a profissão na Santa Casa de Teresina, no Piauí, até um dia antes de tomar posse como governador do estado pela primeira vez.

- Assumiria o governo no dia seguinte, mas não deixei de ir lá operar meus pacientes. A TV local até fez uma reportagem. “Um governador diferente”, dizia a reportagem -, relembra.

Mão Santa foi, sim, um governador diferente. Certa vez, abriu os portões do palácio do governo para acolher uma manifestação de carroceiros. Os jumentos que acompanharam os carroceiros comeram boa parte do jardim que era obra do paisagista Burle Marx. Em seguida, os animais se banharam no espelho d’água do palácio.

Foi do gosto pela medicina que nasceu seu apelido.

Um dia, durante um comício, um paciente se disse curado de sua enfermidade graças "a esse doutor das mãos santas". Aí Francisco de Assis de Moraes Souza virou Mão Santa.

Durante a semana, ele mora num apartamento funcional em Brasília com a mulher Abalgisa Carvalho – com quem é casado há 39 anos –, e a filha mais nova que estuda medicina na Universidade de Brasília.

Mas Mão Santa não deixa de ir a Teresina um único fim de semana. Sai de Brasília na sexta-feira à noite e volta sempre na segunda bem cedo.

Nascido na cidade de Parnaíba, é fissurado no seu Estado. Não perde qualquer oportunidade para falar dele. E não fala do Piauí - fala do “Pí-áu-í”. Assim, com todas as sílabas separadas e acentuadas.

- Dos sete dias em que Deus fez o mundo, dois ele levou construindo o Piauí.

- O Piauí só não é mais bonito que os olhos verdes do Tasso Jereissati.

Nem sempre Mão Santa se destacou por falar muito. No primeiro ano de mandato, assomou`à tribuna 96 vezes. Em 2004, foram 80 vezes e 131 no ano seguinte. No ano passado, 117 vezes. É uma marca invejável.

Ele, hoje, é o recordista de e-mails do Senado. Recebe cerca de mil por dia. Tem um funcionário no gabinete só para abri-los.

- Se deixar acumular dois dias, já fica difícil de abrir a caixa de entrada-, conta.

Os discursos de Mão Santa têm afetado outros senadores. Seu parlamentar favorito, Paim, também anda com a caixa de e-mails lotada.

- Tenho recebido centenas de e-mails, para não dizer milhares, durante o mês. E muitos deles vêm na seguinte linha: "Senador Paim, como diz o Senador Mão Santa, em plenário: Vamos lá, Paim! -, admite o senador gaúcho.

Em março deste ano, Simon (PMDB-RS) discursava em plenário numa segunda-feira vazia. Quem presidia a sessão era Gilvam Borges (PMDB-AP). Mão Santa também estava lá. Mas Gilvam Borges jura que viu Mão Santa tirando um cochilo.

- Vossa Excelência é o guardião do plenário. Não pode cochilar - observou Borges.

Mão Santa não perdeu a pose:

- Como médico, professor de biologia e fisiologia posso lhe assegurar que estava de olhos fechados para compreender melhor as palavras deste que é o melhor orador da história do Brasil.

É de duvidar que qualquer outro senador consiga cochilar durante os discursos de Mão Santa. Ele os provoca:

- Atentai senadores, é Mão Santa quem vos fala.

2007 - Os melhores momentos de Mão Santa

- O Ministro Nelson "Rolando o Lero" Jobim já descobriu que é mais fácil alisar sucuris da Amazônia do que engolir sapos em Brasília. O Governo é errado. Cada macaco em seu galho e esse macacão não está no seu galho. E esse é o Governo.

- E esta cidade, Brasília, somos nós, os piauienses. Brasília tem 300 mil piauienses. A maior colônia aqui é a de mineiros. Juscelino os arrastou. E Brasília é a cidade de maior qualidade de vida porque nela existem 300 mil piauienses.

- Este Senado é o melhor do mundo! Nós estamos aqui. Quem não está não está! Mas nós estamos desde as duas horas. É isso... Nunca se trabalhou na segunda-feira. E nós estamos mostrando a nossa cara. Tem problema? Tem! Mas o Senado romano já elegeu para senador um cavalo. Foi... Um César! Ô, Luiz Inácio, a gente é o destino. César foi poderoso... Calígula botou o cavalo dele e foi Senador.

- Minha gente, vou recorrer à melhor conselheira que Luiz Inácio tem: a mulher dele, a encantadora primeira-dama de quem nós nos orgulhamos, Marisa. Dona Marisa, tudo bem, bacana. A senhora usa o xampu, que tem 52,6% de imposto. Para embelezar os cabelos da nossa primeira-dama. Mas eu quero que esse xampu também chegue para os pobres: para as marisinhas, para as adalgisinhas, para as mulherzinhas deles. Gilvam, são 52%! Se o xampu não tivesse impostos, em vez de R$10 ele custaria R$5. Entenderam? Quem vai comprar? O sabonete mesmo, Gilvam! Você gosta das mulherzinhas cheirosas! E é bom. Ô, Luiz Inácio, as nossas mulherzinhas... O sabonete tem 50%. Você não quer sua mulherzinha cheirosa, ô Paim? Todo brasileiro tem.

- Problemas existem. Só conheço um lugar onde não há problema, Edison Lobão: no cemitério. Só!

- Só existe um grande mal: a ignorância. Ainda hoje citamos Sócrates. E é isso mesmo. Está aí o professor Cristovam, que acredita que a educação leva a esse saber. Estou muito tranqüilo. Implantamos, quando governamos o Piauí, o maior desenvolvimento universitário da história do mundo. Ô Garibaldi! Não foi do Piauí nem do Brasil, não. Foi do mundo!

- Ô, Zezinho! Cadê o Zezinho? Venha cá, Zezinho. Ele é a cara do homem decente do Brasil. Eu conheço a esposa dele, Suely. Ele está ali, servindo ao Antonio Carlos Valadares. Zezinho, uma pergunta - é como se eu perguntasse, Jefferson, ao povo de Manaus - para você, que trabalha muito. Eu já jantei uma vez na casa do amigo Zezinho e da esposa dele, Suely. Ô, Jefferson, ela é professora. Eles me ofereceram uma macarronada. Eu quero lhe fazer uma pergunta, Zezinho. Aumentou a renda na sua casa desde que Lula entrou no governo?

- Crivella, onde é que estava Cristo quando perguntaram a Ele: Cristo, é justo pagar imposto? Qual é o retrato da moeda que está cunhado? É César? "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". Ô Jefferson Péres, se o nosso Cristo andasse aqui em Brasília, no Brasil, ou lá no meu Piauí, ele diria: "Não dê mais não, o Luiz Inácio já levou imposto demais".

- Ulysses disse o que Rui Barbosa já havia dito: "De tanto ver as nulidades assumirem o poder, de tanto campear a corrupção, chegará o dia em que teremos vergonha de sermos honestos". E chegou. Chegou a era dos aloprados, como assim definiu o próprio presidente de República. Aí estou com o Lula: é um homem cercado de aloprados por todos os lados.

- Senador Expedito Júnior, V. Exª, que é o mais jovem senador da República, atentai bem: este é o melhor Senado dos últimos 183 anos. Este Senado nunca se reuniu na segunda-feira. Meditem sobre isso! Nunca, dantes, trabalhou-se na segunda-feira.

Comentário: Texto meu publicado no Blog do Noblat, em 2007.

domingo, 25 de janeiro de 2009

sábado, 13 de dezembro de 2008

Emenda Pior Que o Soneto


Projeto que prevê isenção de impostos para a venda de música no Brasil apresenta solução no combate à pirataria, mas esbarra no lobby e na falta de organização de seus próprios defensores

Por Carol Pires e Andrea Jubé

Em um país em que até o presidente da República diz baixar músicas, foi parar nas mãos de políticos a chance de baratear o som que consumimos. Artistas como Roberto Carlos, Leoni, Sandra de Sá, Rosemary, Frejat, Fagner, Gabriel o Pensador, Francis e Olívia Hime e Frank Aguiar apoiaram essa proposta - o chamado PEC da Música, projeto que pode reduzir os preços de CDs e DVDs (quase pela metade) e que está sendo visto como uma das soluções para o combate à pirataria - desde o início.

Em agosto de 2007, quando o "PEC da Música" foi protocolado, um grupo de artistas esteve em Brasília para pedir o apoio do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), à causa. O Roberto Carlos não pôde ir, mas telefonou para Chinaglia. Rouco, disse que naquele momento não poderia cantar, mas ainda tinha alguma voz para reforçar o pedido da classe. A proposta é conferir à música brasileira o mesmo tratamento que a Constituição Federal deu aos livros, aos jornais e ao papel de imprensa: a isenção total de qualquer imposto, o que diminui o custo final do produto.

O deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), que transformou essa (boa) idéia em um projeto de emenda constitucional, explica que o preço de um CD ou DVD pode ficar de 30% a 40% mais baixo. Por exemplo, o Kit Pitty: {Des}Concerto: ao Vivo, que inclui o CD e o DVD da roqueira, vendido a R$ 42,90 em uma promoção de uma loja virtual, sairia por R$ 25,70 sem a tributação que recai sobre ele. Cada box da série Chico Buarque Especial, com três DVDs cada um, que custa R$ 159,90 em outra loja na internet; sem impostos, cairia para R$ 95,94.

"O projeto não resolve, mas vai dar uma força incrível. As lojas de discos viviam cheias, agora estão quebrando. Para quem vive de música, baratear os discos é indispensável", afirma Sandra de Sá. De fato, estima-se que, nos últimos anos, mais de 3,5 mil postos de venda de discos tenham sido fechados no país. Fica difícil mesmo competir com produtos falsifi cados vendidos a R$ 5 nos camelôs. O valor elevado dos discos e a popularização dos downloads tornaram-se convites quase irresistíveis à pirataria.

O Brasil era o sexto maior produtor mundial de discos, hoje está na 12ª posição desse ranking, mas está em primeiro nos índices de pirataria. Uma pesquisa realizada pelo Ibope e divulgada em novembro mostrou que, nos últimos dez meses, o governo deixou de arrecadar R$ 18,6 bilhões devido ao comércio de CDs e DVDs pirateados. De cada dez pessoas, apenas três não consomem pirataria (dos DVDs de shows em circulação, 61% são ilegais). O resultado desse ambiente de crime foi a queda de 50% no faturamento do setor e o fechamento de mais de 80 mil postos de trabalho. Leoni, ex-Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, um dos mais engajados nessa batalha pela aprovação do PEC, admite que a proposta não resolve todos os problemas, mas avança bastante. "As autoridades não combatem a pirataria. Então, não dá para ficar de braços cruzados", explica o compositor.

Mas toda a campanha em prol da "PEC da Música" não basta. Dar entrada no projeto já foi um feito e tanto: no Congresso, um parlamentar precisa de pelo menos 171 assinaturas (dos 513 deputados) para protocolar uma PEC. Depois, tem que batalhar o apoio dos líderes partidários, responsáveis pela pauta de votações. O próximo passo desse caminho é votar o relatório fi nal do deputado José Otávio Germano (PPRS) na comissão especial (o que deve acontecer até o fi nal do ano). Se o texto for favorável à imunidade tributária, o projeto segue para a Câmara. Aí começa outra etapa, mais complicada. Somente com 308 votos (3/5 do parlamento), um número difícil de alcançar, em duas rodadas de votações, a PEC pode ser aprovada. E, da Câmara, segue para o Senado, onde começa tudo outra vez.

Comentário meu: Você lê esta matéria na íntegra na edição 27, dezembro/2008

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A Arte de Influenciar Pessoas

Nem sempre sinônimo de vitórias, o apoio da classe artística aos candidatos se faz presente nas eleições municipais e muda o tom do debate político

Por Carol Pires e Andrea Jube Vianna

Nunca antes na história deste país - pelo menos desde que Lula, o queridinho dos artistas, chegou à Presidência em 2002 - um candidato conseguiu reunir elenco de tantas estrelas em uma campanha só. Candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro, Fernando Gabeira, do PV, bombou não só no horário eleitoral mas também no YouTube, graças ao auxílio luxuoso de Caetano Veloso, Adriana Calcanhotto, Paula Toller, Marina, Lan Lan, o ex-legionário Dado Villa-Lobos e Roberto Frejat cantando o jingle "O Rio de Gabeira".

Mas até que ponto o apoio de artistas influencia o resultado de uma eleição? No Rio, ele não foi sufi ciente para impedir a vitória do candidato-mauricinho Eduardo Paes, do PMDB. Em Porto Alegre (RS), a candidata a prefeita pelo PT, Maria do Rosário, cujo horário eleitoral contou com a participação da unanimidade Chico Buarque, também perdeu. A exceção foi Belo Horizonte (MG), onde Márcio Lacerda, do PSB, apoiado por Milton Nascimento, Beto Guedes, Skank, Jota Quest e outros mineiros estelares, venceu Leonardo Quintão, deputado do PMDB com pinta de galã da novela das 8.Mas se não foi sufi ciente para a vitória, o engajamento em peso de artistas na campanha carioca, defl agrando a "onda Gabeira", trouxe de volta uma atmosfera de esperança que não se via desde os tempos do "Lula-lá" em 1989. Caetano Veloso, que andou afastado da política, engajou-se pra valer na disputa pela Prefeitura do Rio. Na propaganda eleitoral, apareceu cantando "Cidade Maravilhosa" e "Amanhã (Será Um Lindo Dia)". Em seu blog, Obra em Progresso, escreveu que Gabeira é uma "onda boa" e que fi nalmente o Rio estava "tendo coragem de olhar para si mesmo".

Caetano chegou a advogar publicamente a favor de seu candidato. Depois que Paes acusou Gabeira de não gostar de "suburbanos" e de usar drogas, o compositor foi ao blog defendê-lo: "Que diabo é isso de dizer que Gabeira é Zona Sul? Gabeira é mineiro, jornalista, foi revolucionário exilado, trabalhou como motorneiro de metrô em Estocolmo. E é o homem que representa o que o Rio deve dizer que quer agora: dignidade. Nada a ver com esse folclore de drogas: eu odeio maconha e vou votar nele".

O vídeo em que os artistas cantam o jingle "O Rio de Gabeira" foi campeão de audiência no You Tube. Na véspera do segundo turno, ficou entre os 100 mais vistos do mundo. Além dele, a campanha de Gabeira produziu clipes dignos da MTV, nos quais o candidato aparece ao som dos hits "Como Uma Onda" e "Cariocas", que Lulu Santos e Adriana Calcanhotto, respectivamente, cederam para ser usados na propaganda eleitoral.A participação dos artistas na campanha foi costurada por Gabeira antes de a corrida eleitoral começar. Regina Casé abriu a casa dela para o candidato se reunir com a classe artística. Do encontro, participaram artistas de todas as tribos, da Rede Globo aos alternativos - como a banda AfroReggae. Daí o político pôde contar com os amigos e os amigos dos amigos. E, na reta fi nal da campanha, apareceu em fotos ao lado de personalidades de todos os segmentos: da atriz global Letícia Spiller à ex-ministra pop do Meio Ambiente, senadora Marina Silva (PT-AC).

A derrota de Gabeira não significa que artistas sejam pés-frios, como explica o cientista político Bruno Lima Rocha, doutorando na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "O apoio de artistas não é fator decisivo na eleição. Eles apenas agregam sua imagem à do candidato." Rocha diz que a presença da celebridade dá a entender que há uma proximidade entre ele, o candidato e o seu público."Essa aproximação, que é uma falsa intimidade, é agregada ao valor da imagem do político profissional. Se houver associação de imagem, empatia e credibilidade, um número considerável de votos pode ser conseguido. Mas, insisto, apoio de artistas não é um fator decisivo", ressalva o cientista político. De qualquer forma, apesar da derrota, os números mostram que a dobradinha do ex-hippie-tropicália com o exguerrilheiro-tanga-de-crochê deu certo.

Comentário meu: Você lê esta matéria na íntegra na edição 26 da revista Rolling Stone, novembro/2008.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Quebra de Protocolo


Garibaldi Alves, presidente do Senado, supera críticas pessoais (a sua falta de beleza) e esbanja aquela simpatia de político em campanha

Por Carol Pires

"Eu não vou ser um hermafrodita ambulante", disparou Garibaldi Alves Filho em sua primeira entrevista coletiva informal após assumir a presidência do Senado Federal. Não, Garibaldi não tem tal distúrbio, foi apenas um embaralho na língua e a falta de costume com a perseguição dos jornalistas que cobrem o Congresso Nacional.

Quando chocou a mídia com tal afirmação, queria negar o que há instantes tinha dito Lula (e muito antes cantado Raul Seixas): "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante". Alves queria dizer que, sendo presidente de um poder, precisava ter equilíbrio. Por isso necessitaria de tempo para analisar as propostas do governo, sem perder opiniões pessoais. E que não seria como Lula, que preferia ser uma metamorfose ambulante a ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Quando se deu conta do erro, sorriu para o enxame de repórteres e disse: "Ah, errei. Como é mesmo que o presidente Lula disse? Metamorfose, é? Mas parece que a minha foi melhor".

Garibaldi Alves ficou sabido naquele instante em que as assombrações que pesavam o clima no Senado tinham ficado para trás. A tensão das denúncias contra Renan Calheiros, senador pelo PMDB de Alagoas, antecessor de Garibaldi na presidência do Senado, e tudo que com isso veio junto - as caras feias, as inimizades, os dedos em riste e a perseguição da imprensa ao ocupante da cadeira máxima do parlamento - tinham sido trocados por momentos de tranqüilidade.

Renan foi julgado por quebra de decoro parlamentar duas vezes. Da primeira por ter uma filha fora do casamento - fruto de um caso com a jornalista Mônica Veloso - e pagar a pensão da criança com dinheiro dado por um lobista da empreiteira Mendes Júnior. Foi depois apontado como dono de veículos de comunicação em Alagoas - as empresas estariam no nome de laranjas. Essa crise assolou o Congresso por sete meses. Calheiros foi julgado pelos colegas por duas vezes em plenário sob pena de perder o mandato e ficar inelegível por oito anos. Acabou absolvido. Na primeira vez, Garibaldi votou pela cassação. Na segunda, achou a denúncia vazia e absolveu o colega. Já era précandidato à cadeira que Renan só renunciaria semanas depois.

Mas ele não pensava na presidência até então. A idéia surgiu como prenúncio dado aos predestinados. Dali foi preciso apenas ganhar o aval do cacique-mor do partido: o ex-presidente José Sarney, que só seria presidente do Senado por aclamação. Mas logo surgiram outros nomes dentro do PMDB cobiçando a vaga - Neuto de Conto (SC) e Valter Pereira (MS). A deixa de Garibaldi foi dada por Arthur Virgílio, do PSDB do Amazonas, líder do partido no Senado. Se Sarney saísse a presidente, Virgílio lançaria sua candidatura. Sarney não queria briga. Não tendo o que quis, escolheu Garibaldi Alves.

Então ele cortou o cabelo, clareou os dentes, comprou cinco ternos Brooksfield e saiu em busca de apoio. Foi eleito em 12 de dezembro de 2007, com 68 votos a favor, oito contra e duas abstenções (são 81 os senadores).

Quando recebeu a Rolling Stone para um café-da-manhã na casa oficial da presidência do Senado, na Península dos Ministros, em Brasília, parecia cansado e acanhado. Era uma quarta-feira, 8h30. Cansado ele estava mesmo, porque tenta, desde agosto, conciliar a campanha eleitoral no interior do Rio Grande do Norte (seu estado) com suas obrigações protocolares de presidente. Lá, no Norte, chega a percorrer 4 mil quilômetros por fim de semana. Está mais magro. E bronzeado. Anda acanhado porque dias antes tinha dado uma entrevista e não gostou do que leu depois. Não gostou por quê, presidente? "Ah, ficaram dizendo que eu era feio, dentuço, não sei o quê." Garibaldi é realmente dentuço. Porém, quando ri, com aqueles dentões brancos, alinhados um pouco para a frente, contagia os demais.

Penso em escrever sobre ele sem tocar no assunto da feiúra. Mas o próprio, no segundo seguinte a confessar o incômodo com a crítica, relembra a adolescência e dispara: "Eu era bem feio mesmo. Galã era o Henrique". O Henrique em questão é Henrique Eduardo Alves, deputado pelo Rio Grande do Norte, primo de Garibaldi e líder do PMDB na Câmara. Contam os dois que, nos tempos de calças curtas, foram juntos a um baile.


Comentário meu: Você lê esta matéria na íntegra na Rolling Stone Brasil 25, outubro de 2008. É, talvez, um dos textos que mais gostei de escrever como jornalista. Gosto deste personagem. Ele tem o sorriso grande.

Enfim, um espaço para divagações