quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A Arte de Influenciar Pessoas

Nem sempre sinônimo de vitórias, o apoio da classe artística aos candidatos se faz presente nas eleições municipais e muda o tom do debate político

Por Carol Pires e Andrea Jube Vianna

Nunca antes na história deste país - pelo menos desde que Lula, o queridinho dos artistas, chegou à Presidência em 2002 - um candidato conseguiu reunir elenco de tantas estrelas em uma campanha só. Candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro, Fernando Gabeira, do PV, bombou não só no horário eleitoral mas também no YouTube, graças ao auxílio luxuoso de Caetano Veloso, Adriana Calcanhotto, Paula Toller, Marina, Lan Lan, o ex-legionário Dado Villa-Lobos e Roberto Frejat cantando o jingle "O Rio de Gabeira".

Mas até que ponto o apoio de artistas influencia o resultado de uma eleição? No Rio, ele não foi sufi ciente para impedir a vitória do candidato-mauricinho Eduardo Paes, do PMDB. Em Porto Alegre (RS), a candidata a prefeita pelo PT, Maria do Rosário, cujo horário eleitoral contou com a participação da unanimidade Chico Buarque, também perdeu. A exceção foi Belo Horizonte (MG), onde Márcio Lacerda, do PSB, apoiado por Milton Nascimento, Beto Guedes, Skank, Jota Quest e outros mineiros estelares, venceu Leonardo Quintão, deputado do PMDB com pinta de galã da novela das 8.Mas se não foi sufi ciente para a vitória, o engajamento em peso de artistas na campanha carioca, defl agrando a "onda Gabeira", trouxe de volta uma atmosfera de esperança que não se via desde os tempos do "Lula-lá" em 1989. Caetano Veloso, que andou afastado da política, engajou-se pra valer na disputa pela Prefeitura do Rio. Na propaganda eleitoral, apareceu cantando "Cidade Maravilhosa" e "Amanhã (Será Um Lindo Dia)". Em seu blog, Obra em Progresso, escreveu que Gabeira é uma "onda boa" e que fi nalmente o Rio estava "tendo coragem de olhar para si mesmo".

Caetano chegou a advogar publicamente a favor de seu candidato. Depois que Paes acusou Gabeira de não gostar de "suburbanos" e de usar drogas, o compositor foi ao blog defendê-lo: "Que diabo é isso de dizer que Gabeira é Zona Sul? Gabeira é mineiro, jornalista, foi revolucionário exilado, trabalhou como motorneiro de metrô em Estocolmo. E é o homem que representa o que o Rio deve dizer que quer agora: dignidade. Nada a ver com esse folclore de drogas: eu odeio maconha e vou votar nele".

O vídeo em que os artistas cantam o jingle "O Rio de Gabeira" foi campeão de audiência no You Tube. Na véspera do segundo turno, ficou entre os 100 mais vistos do mundo. Além dele, a campanha de Gabeira produziu clipes dignos da MTV, nos quais o candidato aparece ao som dos hits "Como Uma Onda" e "Cariocas", que Lulu Santos e Adriana Calcanhotto, respectivamente, cederam para ser usados na propaganda eleitoral.A participação dos artistas na campanha foi costurada por Gabeira antes de a corrida eleitoral começar. Regina Casé abriu a casa dela para o candidato se reunir com a classe artística. Do encontro, participaram artistas de todas as tribos, da Rede Globo aos alternativos - como a banda AfroReggae. Daí o político pôde contar com os amigos e os amigos dos amigos. E, na reta fi nal da campanha, apareceu em fotos ao lado de personalidades de todos os segmentos: da atriz global Letícia Spiller à ex-ministra pop do Meio Ambiente, senadora Marina Silva (PT-AC).

A derrota de Gabeira não significa que artistas sejam pés-frios, como explica o cientista político Bruno Lima Rocha, doutorando na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "O apoio de artistas não é fator decisivo na eleição. Eles apenas agregam sua imagem à do candidato." Rocha diz que a presença da celebridade dá a entender que há uma proximidade entre ele, o candidato e o seu público."Essa aproximação, que é uma falsa intimidade, é agregada ao valor da imagem do político profissional. Se houver associação de imagem, empatia e credibilidade, um número considerável de votos pode ser conseguido. Mas, insisto, apoio de artistas não é um fator decisivo", ressalva o cientista político. De qualquer forma, apesar da derrota, os números mostram que a dobradinha do ex-hippie-tropicália com o exguerrilheiro-tanga-de-crochê deu certo.

Comentário meu: Você lê esta matéria na íntegra na edição 26 da revista Rolling Stone, novembro/2008.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Quebra de Protocolo


Garibaldi Alves, presidente do Senado, supera críticas pessoais (a sua falta de beleza) e esbanja aquela simpatia de político em campanha

Por Carol Pires

"Eu não vou ser um hermafrodita ambulante", disparou Garibaldi Alves Filho em sua primeira entrevista coletiva informal após assumir a presidência do Senado Federal. Não, Garibaldi não tem tal distúrbio, foi apenas um embaralho na língua e a falta de costume com a perseguição dos jornalistas que cobrem o Congresso Nacional.

Quando chocou a mídia com tal afirmação, queria negar o que há instantes tinha dito Lula (e muito antes cantado Raul Seixas): "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante". Alves queria dizer que, sendo presidente de um poder, precisava ter equilíbrio. Por isso necessitaria de tempo para analisar as propostas do governo, sem perder opiniões pessoais. E que não seria como Lula, que preferia ser uma metamorfose ambulante a ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Quando se deu conta do erro, sorriu para o enxame de repórteres e disse: "Ah, errei. Como é mesmo que o presidente Lula disse? Metamorfose, é? Mas parece que a minha foi melhor".

Garibaldi Alves ficou sabido naquele instante em que as assombrações que pesavam o clima no Senado tinham ficado para trás. A tensão das denúncias contra Renan Calheiros, senador pelo PMDB de Alagoas, antecessor de Garibaldi na presidência do Senado, e tudo que com isso veio junto - as caras feias, as inimizades, os dedos em riste e a perseguição da imprensa ao ocupante da cadeira máxima do parlamento - tinham sido trocados por momentos de tranqüilidade.

Renan foi julgado por quebra de decoro parlamentar duas vezes. Da primeira por ter uma filha fora do casamento - fruto de um caso com a jornalista Mônica Veloso - e pagar a pensão da criança com dinheiro dado por um lobista da empreiteira Mendes Júnior. Foi depois apontado como dono de veículos de comunicação em Alagoas - as empresas estariam no nome de laranjas. Essa crise assolou o Congresso por sete meses. Calheiros foi julgado pelos colegas por duas vezes em plenário sob pena de perder o mandato e ficar inelegível por oito anos. Acabou absolvido. Na primeira vez, Garibaldi votou pela cassação. Na segunda, achou a denúncia vazia e absolveu o colega. Já era précandidato à cadeira que Renan só renunciaria semanas depois.

Mas ele não pensava na presidência até então. A idéia surgiu como prenúncio dado aos predestinados. Dali foi preciso apenas ganhar o aval do cacique-mor do partido: o ex-presidente José Sarney, que só seria presidente do Senado por aclamação. Mas logo surgiram outros nomes dentro do PMDB cobiçando a vaga - Neuto de Conto (SC) e Valter Pereira (MS). A deixa de Garibaldi foi dada por Arthur Virgílio, do PSDB do Amazonas, líder do partido no Senado. Se Sarney saísse a presidente, Virgílio lançaria sua candidatura. Sarney não queria briga. Não tendo o que quis, escolheu Garibaldi Alves.

Então ele cortou o cabelo, clareou os dentes, comprou cinco ternos Brooksfield e saiu em busca de apoio. Foi eleito em 12 de dezembro de 2007, com 68 votos a favor, oito contra e duas abstenções (são 81 os senadores).

Quando recebeu a Rolling Stone para um café-da-manhã na casa oficial da presidência do Senado, na Península dos Ministros, em Brasília, parecia cansado e acanhado. Era uma quarta-feira, 8h30. Cansado ele estava mesmo, porque tenta, desde agosto, conciliar a campanha eleitoral no interior do Rio Grande do Norte (seu estado) com suas obrigações protocolares de presidente. Lá, no Norte, chega a percorrer 4 mil quilômetros por fim de semana. Está mais magro. E bronzeado. Anda acanhado porque dias antes tinha dado uma entrevista e não gostou do que leu depois. Não gostou por quê, presidente? "Ah, ficaram dizendo que eu era feio, dentuço, não sei o quê." Garibaldi é realmente dentuço. Porém, quando ri, com aqueles dentões brancos, alinhados um pouco para a frente, contagia os demais.

Penso em escrever sobre ele sem tocar no assunto da feiúra. Mas o próprio, no segundo seguinte a confessar o incômodo com a crítica, relembra a adolescência e dispara: "Eu era bem feio mesmo. Galã era o Henrique". O Henrique em questão é Henrique Eduardo Alves, deputado pelo Rio Grande do Norte, primo de Garibaldi e líder do PMDB na Câmara. Contam os dois que, nos tempos de calças curtas, foram juntos a um baile.


Comentário meu: Você lê esta matéria na íntegra na Rolling Stone Brasil 25, outubro de 2008. É, talvez, um dos textos que mais gostei de escrever como jornalista. Gosto deste personagem. Ele tem o sorriso grande.

Enfim, um espaço para divagações