segunda-feira, 13 de abril de 2009

A Fênix de Allagoas




Fernando Collor sobreviveu ao impeachment e desafia a memória. Será que ele vai se contentar em presidir uma Comissão no Senado?


Por Andrea Jubé e Carol Pires:

"A impressão é a de que passa um filme na cabeça dele", diz o senador petista Delcídio Amaral sobre a visão de Fernando Affonso Collor de Mello (PTB/AL) sentado em uma cadeira do plenário do Senado, entretido com seus pensamentos. O ex-presidente da República, um personagem midiático sempre perseguido por repórteres nos fins de semana em que andava de jet ski, estava a bordo de uma Ferrari ou pilotava aviões de caça, havia se transformado em um senador casmurro quando, no início de 2007, 14 anos após o impeachment, o mesmo Senado que o cassou teve de acolhê-lo.

Desde então, Fernando Collor se mantinha impassível,comedido. Como se instalado na cadeira da primeira fila do lado esquerdo do plenário - onde sentamos senadores dos estados que começam com a letra "A" -, no mesmo palco onde foi cassado, o ex-presidente da República, único na história brasileira a sofrer um impeachment, se lembrasse de cada detalhe, de cada fala, de cada personagem do processo que o alijou da vida política nacional por oito anos.O tempo de exílio político acabou transformando o ex inquilino do Palácio do Planalto, protagonista de aventura se factóides, em um senador obscuro, embotado,marcado pelo constrangimento.

Desde quando tomou posse, evitava os jornalistas, economizava cumprimentos,passava mais tempo no gabinete. Ele sofreu um processo de adaptação no qual se aproveitou das licenças parlamentares para se afastar nos momentos difíceis. A primeira licença de quatro meses, desfrutada em 2007,coincidiu com o processo de desgaste político do então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL),que havia sido líder de seu governo em 1990. A segunda licença, que durou outros quatro meses, coincidiu comas eleições de 2008. Collor se afastou para comandar a campanha do filho, Fernando James, candidato a prefeito de Rio Largo, no interior de Alagoas.

No total, pode-se dizer que Collor passou um terço dos primeiros dois anos de mandato (são oito anos) licenciado.Um levantamento feito pelo site Congresso em Foco em 2007 o apontou como o senador "mais faltoso" naquele ano. Ele deixou de comparecer a 44 das 76 sessões realizadas - considerado o período em que estava no exercício do mandato. O título o incomodou porque dos atributos dos tempos de presidente que deseja manter, estão o apego à disciplina e à organização. No ano passado, se recompôs ficando entre os 30 senadores mais assíduos.

Somente agora, entretanto, após dois anos de mandato - e a dois anos das próximas eleições gerais para governador e presidente da República - pode-se afirmar com todas as letras: "Ele voltou".Após o período de adaptação em que se pautou pela discrição e pelo recolhimento,o político saiu do casulo. Topou a indicação do PTB para representar a bancada na presidência de uma das 11 comissões temáticas do Senado. No início de março,conseguiu se eleger presidente da Comissão de Infraestrutura (CI) após embate árduo com os senadores petistas.

No Congresso Nacional,não basta ser titular de um mandato político para gozar de poder e glória. Depois de chegar à Câmara dos Deputados e ao Senado,os políticos se lançam em disputas acirradas por cargos de maior projeção.Foi o que aconteceu com Collor, alçado a um posto de prestígio no seleto clube frequentado por suas excelências. Empossado no cargo, será, daqui para a frente, o gerente do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) - carro-chefe do governo Lula e bandeira da ministra da Casa Civil,Dilma Rousseff, virtual candidata do PT à sucessão presidencial. Na cadeira de presidente da comissão, não terá como fugir aos holofotes. E parece não ser mesmo isso o que ele quer.

Quem acompanha a performance parlamentar de Collor desde o começo notou a mudança. Até pouco tempo - e nas raras vezes em que era flagrado em plenário -o senador por Alagoas (nascido no Rio de Janeiro em 1949) podia ser visto como na cena descrita por Delcídio Amaral. O aspecto arredio, o olhar distante e misterioso,como se assistisse a um filme de sua vida, foi substituído pela expressão desafiadora do presidente imperial, com olhar duro e trote militar dos velhos tempos.

Comentário: Você lê esta matéria na íntegra na edição 31, abril/2009, da revista Rolling Stone.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

O informante (até às 22h)


Plenário: Senador nega tudo. 16h12.

Por Carol Pires:

Era o dia 13 de dezembro de 2007, já passava da uma da manhã. Rosean Kennedy, apresentadora da rádio CBN, dormia nos braços de Willian, seu marido, quando recebeu uma mensagem no celular. O casal se assustou, pois naquela semana o pai de Rosean andara doente. Na penumbra do quarto, Willian perguntou: “Quem está te mandando mensagem a essa hora?” Sua motivação não era a desconfiança conjugal, mas uma sincera preocupação com o sogro. Nada, disse a sonolenta Rosean, assunto de trabalho. “A essa hora?”, resmungou o marido, também sonado.

Era trabalho, sim: a mensagem informava que a CPMF acabava de cair. Willian só não sabia (admitiria algum ciúme se soubesse?) que o signatário era Adriano Fernandes, um homem de cabelos pretos cuidadosamente adestrados a gel, nariz afilado, 75 quilos em 1,82 metro de corpo “atlético”, como descrevem as revistas femininas, e, cereja do bolo, portador de uma arma (por estrear) que dispara flechas imobilizadoras.

Hoje aos 39 anos — treze como segurança no Senado —, ele é dublê de fonte da imprensa brasiliense, papel que assumiu na época do affaire entre o senador Renan Calheiros e a jornalista Mônica Veloso.

O então presidente do Senado — às voltas com complicações extraconjugais, filha não reconhecida, pensão alimentar paga por empreiteira, cabeças de gado suspeitas e demais especiarias de um imbróglio político-brasiliense — passara a usar saídas de fundo, elevadores secretos e seguranças monumentais para driblar a imprensa. Cada (mau) passo seu poderia render notícia, a exemplo de cada declaração amistosa do líder do governo, Romero Jucá, ou cada acusação dos líderes oposicionistas José Agripino Maia e Arthur Virgílio.

A malta de jornalistas corria atrás de frases que espichassem as reportagens em mais um ou dois parágrafos. Foi aí que Fernandes entrou em cena. Uma repórter lhe pediu que a avisasse quando este ou aquele figurão entrasse no plenário. Topando na hora, no dia 15 de junho de 2006 o segurança enviaria um de seus primeiros despachos: “Plenário: Romero Jucá, líder do governo, está no plenário. 15h17.”

A fórmula deu certo, e Fernandes virou fonte de um grupo seleto de quinze repórteres cujos telefones ele guarda na memória do celular. São, na maioria, produtores de emissoras de televisão e rádio. De jornal impresso, há poucos. “Eles têm mais tempo para apurar o assunto. Não precisam dessa urgência para achar os caras”, explica a fonte.

Fernandes criou um regimento próprio para seus serviços. Por exemplo, não se deve ligar para agradecer a informação — “que é para o meu celular não ficar tocando toda hora” — e não se deve esperar mensagem depois das dez da noite (o caso da CPMF foi exceção). Em termos de técnica jornalística, seus textos são, em geral, canônicos: uma linha só, com onde, quem, o quê e quando — “Plenário: Senador Paulo Paim anuncia vigília em plenário em prol dos aposentados. 13h49”; “Plenário: Garibaldi anuncia devolução da MP 446.” Ele está sempre a serviço da notícia: “Gosto de dar a coisa quente, por isso digo até a hora em que o fato ocorreu, para quem quiser ir lá conferir nas notas taquigráficas.”

O serviço é gratuito. Fernandes, que ganha cerca de 6 mil reais, se diz movido pelo dever moral e cívico. “A democracia precisa da imprensa”, filosofa. Ele não é um segurança padrão, pois aprecia tanto a massa muscular quanto a cinzenta. Faz-se compreender em duas línguas estrangeiras: espanhol e inglês. Leu de Maquiavel a Mao Tsé-Tung nos tempos em que estudou contraterrorismo em Washington.

Formou-se em ciência da computação em Brasília. Em menos de um ano, passou em três concursos públicos: Universidade de Brasília, Ministério da Agricultura e Senado Federal. Trabalhou nos três lugares, como técnico de computação ou de administração. “Os salários eram uma merreca”, diz. Em 1995, virou segurança.

Talvez por ter passado mais de uma década assistindo ao vivo a debates políticos — ele foi contratado para manter a ordem no plenário —, Fernandes se aperfeiçoou em manhas de político. Empregando a tática de não dizer nada que possa ser usado contra ele mais tarde, garante ser agnóstico em relação não só a partidos, mas também a times de futebol, escolas de samba e concursos de miss. “Para ter uma visão mais ampla das coisas, prefiro não criar vínculo”, explica no melhor estilo sem-ideologia aperfeiçoado pelo PMDB. Não revela nem o senador que, a seu ver, discursa mais bonito. “Não. Mas se eu fosse um político, seria o Jucá, porque sou como ele: não tenho muita conversinha. Gosto é de resultados”, diz, no auge de comprometimento a que se permite.

Por ora, seu melhor resultado jornalístico foi mesmo o anúncio da derrocada da CPMF. Enquanto o SMS era disparado à 01h10 para os quinze jornalistas, Ricardo Noblat, titular do blog de política mais acessado do país, anotaria a notícia à 01h12, a mesma hora em que a informação apareceu na Folha Online e no portal G1. No mundo virtual, dois minutos podem ser a diferença entre notícia e papel de embrulho. E as notas de Fernandes, além de frescas, são públicas — pelo que reza seu próprio regimento, ele só repassa o que os senadores dizem em alto e bom som no plenário. Bastidor, nem pensar: “Meu negócio é notícia oficial.”

No ano passado, quando um infarte fulminou o senador amazonense Jefferson Péres, Brasília mal acordara e a maioria dos repórteres ainda se espreguiçava em casa, mas o grupo dos quinze foi surpreendido assim que o relógio deu 8h36. Na ocasião, o casal Rosean e Willian Kennedy já deixara os lençóis. Contudo, sendo ainda madrugada para a República, o marido teve de perguntar: “Mensagem a essa hora?”

Comentário: Texto publicado na revista piauí 31 (abril de 2009).