segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A pedofilia tem remedio?



A pedofilia tem remedio? Traumatizada por abusos sofridos na infância, a deputada Marina Magessi criou um projeto de lei polêmico. Ela sugere que pedófilos tenham a libido tolhida com hormônios femininos. Aqui, argumentos a favor e contra a ideia

Por Carol Pires, Maria Laura Neves e Marina Mello

A delegada carioca Marina Magessi pede para tomar um uísque quando perguntam sobre suas memórias de infância. O Red Label, que costuma chamar de remédio de tarja vermelha, a ajuda a acessar lembranças traumáticas. Marina embarga a voz e fica com os olhos marejados quando conta que seu tio, que morou durante dois anos na sua casa no subúrbio do Rio, pedia que ela sentasse nua no colo dele, também nu. Marina tinha 5 anos. "Ele nunca me penetrou, mas me fazia mexer em cima do pênis dele e aquilo excitava o meu clitóris", diz. Ela só foi entender que aquela aventura era imoral e ilícita aos 11 anos, quando começou a ter aulas de educação sexual na escola. "Até hoje carrego a culpa de ter gostado e participado daquele ato." Esperou chegar à vida adulta para contar aos familiares o que aconteceu nas tardes da infância. Hoje, aos 50 anos, eleita deputada pelo PPS do Rio, Marina fez de sua experiência uma bandeira. Ela é autora de um projeto de lei polêmico que busca coibir a ação de pedófilos por meio da castração química.

Feita por meio da aplicação de hormônios femininos, a castração inibe a libido masculina (a deputada sugere o uso do acetato de medroxiprogesterona no seu projeto de lei, também usada nos EUA). Quando a droga entra na corrente sanguínea e chega ao sistema nervoso central, atenua os efeitos da testosterona, o hormônio responsável tanto pelo desejo sexual masculino como pela ereção. O efeito obtido é uma espécie de impotência temporária. Geralmente, as doses são aplicadas a cada 30 dias. "Os pedófilos costumam ter uma imaturidade associada à compulsão sexual. A redução da testosterona controlaria essa compulsão. A castração química é válida para esse sujeito que, se seguir um tratamento, poderá viver em sociedade normalmente", afirma o advogado criminalista Marcio Pecego Heide, autor de um artigo em que defende a prática.

O projeto de lei criado pela deputada carioca prevê a castração hormonal como pena alternativa para pedófilos réus primários. "Eles poderiam optar pela prisão convencional ou pelo tratamento", diz Marina. No caso dos reincidentes, a castração química se tornaria obrigatória, assim como a privação da liberdade. O juiz e uma junta médica composta por psiquiatras e endocrinologistas treinados pelo Instituto Médico Legal acompanhariam caso a caso e determinariam a frequência com que as aplicações deveriam ser administradas, além de verificar a eficiência do tratamento. O criminoso se submeteria a exames para se manter em liberdade condicional.

A castração química já é uma penalidade adotada em alguns países. Na França, os criminosos sexuais reincidentes considerados muito perigosos pela Justiça podem optar pelo tratamento ou pela internação hospitalar. Alguns estados americanos adotaram a medida como parte da penalidade. Estudos de lá mostram que apenas 5% dos condenados por crimes sexuais que receberam injeções de hormônios voltaram a cometer crimes semelhantes, enquanto o índice entre os que ficaram apenas encarcerados chegou a 70%. Na Itália, há um projeto de lei para instaurar a castração química em discussão. Na Alemanha, a lei foi cassada por ser considerada uma forma de coação estatal.

As entidades de Direitos Humanos costumam se manifestar contra a castração química por considerá-la uma punição cruel. O uso prolongado e excessivo dos hormônios femininos tem vários efeitos colaterais nos homens. "Os efeitos colaterais não são completamente previsíveis", afirma o psiquiatra Aderbal Vieira Júnior, do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (Proad). "Quem se submete a um tratamento como esse pode não recuperar o nível de desejo ou o funcionamento do aparelho sexual. Além disso, os hormônios femininos podem bagunçar outras partes do corpo, como os ciclos endócrinos e até mesmo o temperamento." Os distúrbios mais comuns são diabetes, aumento da pressão arterial, perda de massa muscular, atrofia da genitália e crescimento das mamas. O mais grave é o câncer hepático.

O projeto de lei prevê a castração hormonal como pena alternativa só para réus primários
Outro argumento contra a adoção da castração química é o de que nem sempre é o pedófilo quem comete um crime de abuso sexual com crianças. A maioria dos crimes desse tipo é cometida por amigos e familiares, que não nutrem um desejo por crianças em geral. Um estudo realizado pela Vara da Infância e de Juventude do Distrito Federal, entre agosto e abril últimos, mostrou que 71% dos agressores eram membros da família. "Sabemos que a violência sexual contra crianças acontece mais por uma questão de conveniência, de hábitos culturais, de relações de poder, que por uma patologia", afirma Viviane dos Santos Amaral, professora da Universidade de Brasília e psicóloga da vara. "Há pedófilos que mesmo sentindo o desejo nunca agrediram ou vão agredir uma criança."


A deputada Marina Magessi apresentou o projeto de lei no final do ano passado. Na ocasião, foi barrado por ser considerado inconstitucional. Ela recorreu. "Projetos desse tipo não são aprovados porque ferem a dignidade do ser humano. A castração química é uma pena cruel segundo a Constituição brasileira", diz o advogado Sérgio Salomão Shecaria, presidente do Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária, um dos órgãos com poder de veto que analisará o projeto de lei. Não é a primeira vez que um texto desses é apresentado - e barrado - no Congresso. Em 2002 e 2007, outros projetos foram apresentados na Câmara e no Senado, mas não seguiram adiante.

Segundo Aderbal, do Proad, existem outros medicamentos que ajudam os pedófilos a controlar o impulso sexual sem tantos efeitos colaterais. São antidepressivos da família da fluoxetina, que têm como efeito colateral a redução da libido. "É difícil transformar um pedófilo em um não pedófilo. Às vezes, é possível fazê-los controlar seus atos", diz o psiquiatra. "Mas só responderão bem ao tratamento se a vontade de se tratar partir deles próprios."

Comentário: texto publicado na edição de setembro da revista Marie Claire.

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