sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Eterna


Por Carol Pires:


Jovem belíssima, mulher genial e velha obscena: todas Hilda Hilst. Três anos depois de sua morte, a estrela de Aldebarã (como a chamava Carlos Drummond de Andrade) será homenageada, amanhã – dia em que faria 77 anos –, pela concretização de um sonho antigo: transformar a Casa do Sol, em Campinas, refúgio da poeta durante 38 anos, em um instituto de pesquisa sobre sua obra.

Agora, o escritor José Luis Mora Fuentes, velho amigo de Hilda, herdeiro da Casa e responsável pelo projeto Instituto Hilda Hilst – Centro de Estudos Casa do Sol apresenta ao público o resultado de três anos de trabalho: a montagem da Biblioteca Apolônio de Almeida Prado Hilst (pai de Hilda); o teatro de arena Auditório Gisela Magalhães; e a transformação dos quartos da casa em aposentos para estudantes bolsistas interessados na obra da escritora.

A Casa do Sol abrigou não só a escritora mais polêmica de sua época, mas também a efervescência cultural de duas décadas. O lugar foi ponto de encontro dos principais intelectuais brasileiros nas décadas de 1970 e 1980: lá se reuniam, por exemplo, a atriz Eva Wilma; os escritores Lygia Fagundes Telles e Caio Fernando Abreu; e a poeta Olga Savary. Na casa de 700 metros quadrados, ou ao ar livre em seu enorme terreno, entre os incontáveis cães de Hilda, bebia-se, comia-se e falava-se de poesia, entre muitas coisas mais.

"Com a morte da Hilda, pensamos: o que será feito com a Casa? Ela havia planejado tudo isso", conta Mora Fuentes. O escritor formatou então o projeto do instituto que, hoje, já abriga dois bolsistas. Fuentes acredita também que "a reabertura da casa ao público conserva a memória de Hilda, resgata sua obra e traz para o Estado de São Paulo um novo espaço cultural planejado".
Amanhã haverá uma festa no sítio, com a presença das atrizes Maria Alice Vergueiro (protagonista do vídeo Tapa na Pantera, popular no YouTube) e Rosaly Papadopol, ambas com planos de representar Hilda no teatro.


OusadaFilha da portuguesa Bedecilda Vaz Cardoso e do fazendeiro de café, poeta, jornalista e ensaísta Apolonio de Almeida Prado Hilst, Hilda nasceu em Jaú (SP) em 1930. Ousada, provocativa, única, era conhecida pela beleza e pela vida de luxo, glamour e amantes (entre eles o cantor americano Dean Martin e o poeta Vinicius de Moraes). Ela, porém, queria ser aceita não pela beleza, mas por sua poesia. A solução, bem peculiar: "Puxei os cabelos para trás e comecei a me enfeiar". Foi quando, nos anos 60, decidiu abandonar a capital paulista para morar na Casa do Sol e se dedicar à literatura.

Anos antes, aos 20, a jovem poeta publicou Presságio. Em Balada de Alzira – obra seguinte, de 1951 –, aos 21, a estudante de Direito da Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, dizia: "Somos iguais à morte/Ignorados e puros" – versos que chamaram a atenção da escritora Cecília Meirelles, que anunicou: "Quem disse isso precisa dizer mais".

E foi o que Hilda fez: de obra multifacetada e singular, muitas vezes incompreendida, a escritora paulista escreveu quase 40 livros ao longo de 50 anos. De início, poesia; depois, entre 1967 e 1969, oito peças de teatro; e, em 1970, a primeira ficção, Fluxo-floema.

Ousada, porém – tanto nos temas quanto na maneira onírica de escrever, sem linhas temporais, vírgulas ou pudor –, Hilda carregava o estigma de talvez jamais se tornar popular. Inconformada, a escritora tomou em 1990 uma decisão surpreendente: depois de saber que a francesa Regine Deforges ganhou mais de US$ 10 milhões com o best-seller erótico A Bicicleta Azul, concebeu O Caderno Rosa de Lori Lamby. A idéia: chamar a atenção.

Logo nas primeiras páginas do livro, em primeira pessoa, Lori anuncia que tem apenas 8 anos; depois, despudorada, começa a narrar suas úmidas experiências sexuais. Quem não teve coragem de ler o livro até o fim não sabe, porém, que tudo não passava de imaginação da menina. Na contracapa do livro, uma foto de Hilda ainda criança, ornada, com soberba ironia, pela frase: "Ela foi uma boa menina".

O Caderno Rosa foi o primeiro livro da sua trilogia erótica, que inclui Contos d'Escárnio/Textos Grotescos (1990) e Cartas de um Sedutor (1991). Por eles, Hilda ganhou, além de leitores, a preconceituosa alcunha de velha obscena. "Acho que nem na França me entenderam", desabafou, na época, apesar de ter alcançado notoriedade com o livro.

Misturar traços biográficos com uma das ficções mais erótico-pornográficas da literatura brasileira não constitui o único gesto de atrevimento da autora. Sua poesia, repleta de indagações metafísicas, acabou conduzindo-a a mergulhos no universo das leituras da física e da filosofia, em sua busca de respostas sobre a imortalidade da alma. Hilda costumava dizer que o hábito do estudo era todo em função de Marduk, planeta de outra dimensão onde já estariam Einstein, Paracelso e Julio Verne. Bem-humorada, dizia não querer chegar lá sendo idiota.

Nos últimos anos de vida, a poeta – que morreu em fevereiro de 2004 – havia trocado o ofício da escrita pelo prazer da leitura. Hilda declarava: "Já disse tudo".

Comentário meu: Texto publicado em abril de 2007, no Jornal de Brasília.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Os Rumos da Democracia


Por Carol Pires

A internet transformou-se em uma rede de insultos de cidadãos que apelam para o sentimentalismo político barato sem chance de debate


Imagine o presidente Lula, entre uma reunião com a Ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e uma conferência com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, acessando o YouTube para assistir a seus clipes preferidos. Ou sacando o celular do bolso e mandando um SMS para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Quem sabe consultando seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, pedindo permissão para conversar no MSN (bloqueado no Planalto).

Nenhum dos assessores do presidente procurado pela Rolling Stone Brasil soube confirmar se é do feitio de Lula navegar na internet. Mas o fato é que, se quisesse, ele poderia conectar-se diariamente, ter e-mail pessoal e mandar mensagem pelo celular - tudo nos conformes da lei brasileira. O que, aliás, deixaria Barack Obama em desvantagem virtual.Obama assumiu a presidência dos Estados Unidos injuriado por ter de abandonar seu BlackBerry. A legislação dos Estados Unidos dita que eles, os chefes de Estado, devem oferecer à população acesso a todas as suas correspondências. Mudando essa lei, ele conseguiu que o serviço secreto norte-americano lhe garantisse um modelo Sectera Edge, um celular capaz de criptografar conversas secretas e documentos confidenciais (tudo em prol da segurança).

Em campanha, Obama já tinha se valido de todas as ferramentas virtuais disponíveis, conseguiu arrecadar milhões de dólares em doações e conquistou outros milhões de eleitores através de mensagens. Não só isso: investiu em material de campanha em sites, publicou vídeos e não fugiu de debates online. O resultado é indiscutível: o mundo virtual foi essencial para a vitória do democrata.

Ao ser reeleito presidente da República em 2006, Luiz Inácio Lula da Silva não usou dessa tecnologia de conquista de novos eleitores, informação confirmada pela pesquisadora Sylvia Iasulaitis, doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (SP). Na época, ela estudou o funcionamento dos websites de Geraldo Alckmin, do PSDB, e de Lula, do PT, ao longo do primeiro e segundo turnos da eleição. Descobriu que, com a exceção de enviar e-mails, as duas páginas não ofereciam interação. "Não houve possibilidade de publicação de mensagens, sala de bate-papo com ou sem a presença dos candidatos, tampouco medidas que possibilitassem a comunicação lateral entre os cidadãos", apurou a pesquisa.

No estudo "Internet, Espaço Público e Marketing Político", do professor Bernard Sorj, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), encontramos uma pista para explicar o desinteresse dos políticos em criar uma comunicação de mão dupla com seus eleitores. Para Sorj, como a internet não é regulamentada, fica muito difícil lidar com difamações e críticas, uma vez que não é possível saber, muitas vezes, nem nome nem rosto dos signatários das mensagens.É fato. Um levantamento da jornalista Isabela Tavares, realizado na Universidade do Legislativo (Unilegis), encontrou 1.780 comunidades no Orkut em referência aos parlamentares federais brasileiros. No universo de 594 atores - 513 deputados federais e 81 senadores -, 447 (75,25%) têm comunidades a eles dedicadas, muitas delas (16,27% do total) com conteúdo bastante ofensivo.

O senador Tião Viana (PT-AC), por exemplo, é citado em uma comunidade na categoria "Gays, Lésbicas e Afins", na qual o criador e seus seguidores sonham em ter uma noite de amor com o político. Outro senador, Osmar Dias (PDT-PR), incitou o ódio de um eleitor que, sem publicar seus motivos, postou declarações que põem em cheque a capacidade mental do parlamentar.


Você lê esta matéria na íntegra na edição 29, fevereiro/2009, da revista Rolling Stone