segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Atentai, senadores: é Mão Santa quem vos fala!


Brasília, Senado Federal, manhã de uma sexta-feira de outubro. A maioria dos senadores está em seus estados. Os escândalos ficaram para a próxima semana. Os assuntos adormeceram e os corredores estão quase vazios. Há poucos senadores no plenário.

Cristovam Buarque (PDT) fala ao telefone. Pedro Simon (PMDB-RS) folheia uns papéis. Paulo Paim (PT-RS) conversa com Wellington Salgado (PMDB-MG). Mão Santa (PMDB-PI) preside a sessão.

- Paim, eu vinha ouvindo V. Exª no rádio do carro. A Rádio Senado AM/FM faz parte também da grandeza deste Senado...

- Paim! Ô Paim! – grita Mão Santa toda vez que Paim tenta conversar com Salgado.

Sextas e segundas-feiras pela manhã, o plenário está quase sempre vazio.

Mão Santa, que completou 65 anos no dia 13 último, usa, vez por outra, da prerrogativa de ser o senador mais velho presente à sessão para ocupar a cadeira de presidente do Senado. De lá, fala o quanto pode. Só este ano discursou 212 vezes. Perdeu apenas para Arthur Virgílio (AM), que foi à tribuna em 216 ocasiões. Virgílio tem a desculpa de que é líder do PSDB, partido de oposição.

Quando se trata de apartes, porém, Mão Santa ganha disparado. Este ano, 329 vezes ele interrompeu discursos dos seus pares. Virgílio procedeu assim apenas 58 vezes.

Mão Santa começou sua carreira política quando foi eleito deputado estadual pelo Piauí em 1978. Fazia parte da Arena, partido que apoiava a ditadura militar inaugurada no país em 1964.

Depois, decidiu desafiar a oligarquia do ex-governador do Piauí, Hugo Napoleão, que comandava a política local.

Ninguém acreditava em Mão Santa, mas ele ganhou a eleição e foi reeleito depois. Governou o Piauí entre 1995 e 2001, quando teve o seu mandato cassado por determinação do Tribunal Superior Eleitoral. Foi acusado de desviar dinheiro público na campanha eleitoral de 1998. Diz a denúncia que para vencer Mão Santa distribuiu de dentadura a pomada vaginal.

Elegeu-se senador em 2002 com 664 mil votos.

Desde fevereiro de 2003, quando tomou posse, chega cedo ao Senado. Seu gabinete é repleto de livros de história e filosofia. Muito do que lê, aproveita nos seus discursos.

Em plenário, gosta de citar eventos históricos, passagens bíblicas, Getúlio Vargas e parafrasear a máxima do jornalista Boris Casoy: "Isto é uma vergonha!" Gosta também de lembrar sua formação em medicina pela Universidade Federal do Ceará.

Mão Santa exerceu a profissão na Santa Casa de Teresina, no Piauí, até um dia antes de tomar posse como governador do estado pela primeira vez.

- Assumiria o governo no dia seguinte, mas não deixei de ir lá operar meus pacientes. A TV local até fez uma reportagem. “Um governador diferente”, dizia a reportagem -, relembra.

Mão Santa foi, sim, um governador diferente. Certa vez, abriu os portões do palácio do governo para acolher uma manifestação de carroceiros. Os jumentos que acompanharam os carroceiros comeram boa parte do jardim que era obra do paisagista Burle Marx. Em seguida, os animais se banharam no espelho d’água do palácio.

Foi do gosto pela medicina que nasceu seu apelido.

Um dia, durante um comício, um paciente se disse curado de sua enfermidade graças "a esse doutor das mãos santas". Aí Francisco de Assis de Moraes Souza virou Mão Santa.

Durante a semana, ele mora num apartamento funcional em Brasília com a mulher Abalgisa Carvalho – com quem é casado há 39 anos –, e a filha mais nova que estuda medicina na Universidade de Brasília.

Mas Mão Santa não deixa de ir a Teresina um único fim de semana. Sai de Brasília na sexta-feira à noite e volta sempre na segunda bem cedo.

Nascido na cidade de Parnaíba, é fissurado no seu Estado. Não perde qualquer oportunidade para falar dele. E não fala do Piauí - fala do “Pí-áu-í”. Assim, com todas as sílabas separadas e acentuadas.

- Dos sete dias em que Deus fez o mundo, dois ele levou construindo o Piauí.

- O Piauí só não é mais bonito que os olhos verdes do Tasso Jereissati.

Nem sempre Mão Santa se destacou por falar muito. No primeiro ano de mandato, assomou`à tribuna 96 vezes. Em 2004, foram 80 vezes e 131 no ano seguinte. No ano passado, 117 vezes. É uma marca invejável.

Ele, hoje, é o recordista de e-mails do Senado. Recebe cerca de mil por dia. Tem um funcionário no gabinete só para abri-los.

- Se deixar acumular dois dias, já fica difícil de abrir a caixa de entrada-, conta.

Os discursos de Mão Santa têm afetado outros senadores. Seu parlamentar favorito, Paim, também anda com a caixa de e-mails lotada.

- Tenho recebido centenas de e-mails, para não dizer milhares, durante o mês. E muitos deles vêm na seguinte linha: "Senador Paim, como diz o Senador Mão Santa, em plenário: Vamos lá, Paim! -, admite o senador gaúcho.

Em março deste ano, Simon (PMDB-RS) discursava em plenário numa segunda-feira vazia. Quem presidia a sessão era Gilvam Borges (PMDB-AP). Mão Santa também estava lá. Mas Gilvam Borges jura que viu Mão Santa tirando um cochilo.

- Vossa Excelência é o guardião do plenário. Não pode cochilar - observou Borges.

Mão Santa não perdeu a pose:

- Como médico, professor de biologia e fisiologia posso lhe assegurar que estava de olhos fechados para compreender melhor as palavras deste que é o melhor orador da história do Brasil.

É de duvidar que qualquer outro senador consiga cochilar durante os discursos de Mão Santa. Ele os provoca:

- Atentai senadores, é Mão Santa quem vos fala.

2007 - Os melhores momentos de Mão Santa

- O Ministro Nelson "Rolando o Lero" Jobim já descobriu que é mais fácil alisar sucuris da Amazônia do que engolir sapos em Brasília. O Governo é errado. Cada macaco em seu galho e esse macacão não está no seu galho. E esse é o Governo.

- E esta cidade, Brasília, somos nós, os piauienses. Brasília tem 300 mil piauienses. A maior colônia aqui é a de mineiros. Juscelino os arrastou. E Brasília é a cidade de maior qualidade de vida porque nela existem 300 mil piauienses.

- Este Senado é o melhor do mundo! Nós estamos aqui. Quem não está não está! Mas nós estamos desde as duas horas. É isso... Nunca se trabalhou na segunda-feira. E nós estamos mostrando a nossa cara. Tem problema? Tem! Mas o Senado romano já elegeu para senador um cavalo. Foi... Um César! Ô, Luiz Inácio, a gente é o destino. César foi poderoso... Calígula botou o cavalo dele e foi Senador.

- Minha gente, vou recorrer à melhor conselheira que Luiz Inácio tem: a mulher dele, a encantadora primeira-dama de quem nós nos orgulhamos, Marisa. Dona Marisa, tudo bem, bacana. A senhora usa o xampu, que tem 52,6% de imposto. Para embelezar os cabelos da nossa primeira-dama. Mas eu quero que esse xampu também chegue para os pobres: para as marisinhas, para as adalgisinhas, para as mulherzinhas deles. Gilvam, são 52%! Se o xampu não tivesse impostos, em vez de R$10 ele custaria R$5. Entenderam? Quem vai comprar? O sabonete mesmo, Gilvam! Você gosta das mulherzinhas cheirosas! E é bom. Ô, Luiz Inácio, as nossas mulherzinhas... O sabonete tem 50%. Você não quer sua mulherzinha cheirosa, ô Paim? Todo brasileiro tem.

- Problemas existem. Só conheço um lugar onde não há problema, Edison Lobão: no cemitério. Só!

- Só existe um grande mal: a ignorância. Ainda hoje citamos Sócrates. E é isso mesmo. Está aí o professor Cristovam, que acredita que a educação leva a esse saber. Estou muito tranqüilo. Implantamos, quando governamos o Piauí, o maior desenvolvimento universitário da história do mundo. Ô Garibaldi! Não foi do Piauí nem do Brasil, não. Foi do mundo!

- Ô, Zezinho! Cadê o Zezinho? Venha cá, Zezinho. Ele é a cara do homem decente do Brasil. Eu conheço a esposa dele, Suely. Ele está ali, servindo ao Antonio Carlos Valadares. Zezinho, uma pergunta - é como se eu perguntasse, Jefferson, ao povo de Manaus - para você, que trabalha muito. Eu já jantei uma vez na casa do amigo Zezinho e da esposa dele, Suely. Ô, Jefferson, ela é professora. Eles me ofereceram uma macarronada. Eu quero lhe fazer uma pergunta, Zezinho. Aumentou a renda na sua casa desde que Lula entrou no governo?

- Crivella, onde é que estava Cristo quando perguntaram a Ele: Cristo, é justo pagar imposto? Qual é o retrato da moeda que está cunhado? É César? "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". Ô Jefferson Péres, se o nosso Cristo andasse aqui em Brasília, no Brasil, ou lá no meu Piauí, ele diria: "Não dê mais não, o Luiz Inácio já levou imposto demais".

- Ulysses disse o que Rui Barbosa já havia dito: "De tanto ver as nulidades assumirem o poder, de tanto campear a corrupção, chegará o dia em que teremos vergonha de sermos honestos". E chegou. Chegou a era dos aloprados, como assim definiu o próprio presidente de República. Aí estou com o Lula: é um homem cercado de aloprados por todos os lados.

- Senador Expedito Júnior, V. Exª, que é o mais jovem senador da República, atentai bem: este é o melhor Senado dos últimos 183 anos. Este Senado nunca se reuniu na segunda-feira. Meditem sobre isso! Nunca, dantes, trabalhou-se na segunda-feira.

Comentário: Texto meu publicado no Blog do Noblat, em 2007.

domingo, 25 de janeiro de 2009